quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A alienação da universidade moderna


Hoje vou cumprir com o prometido e retomar o tema que iniciei no post A alienação no meio estudantil

            Quero então destacar a mudança que a instituição universidade (em especial no ocidente) sofreu mais ou menos a partir da década de 60 nos países ditos desenvolvidos e a partir da década de 90 na modernidade periférica.
            Essa mudança a que me refiro trata-se, fundamentalmente, do momento em que se percebeu o potencial da universidade para o projeto de desenvolvimento da modernidade. Em verdade a atual complexidade que tomou conta da vida moderna passa a demandar outra forma de profissionais. A mão de obra agora precisa ter algumas qualificações e algumas capacidades específicas, mas, assim como na alienação[1] fabril, esses novos profissionais também não podem ter a visão da totalidade do processo no qual serão inseridos.          
            É ai que a universidade passa, paulatinamente, a deixar de formar os “intelectuais burgueses” e começa a formar os técnicos que terão de operar o “sistema” em quase todos os níveis.
            Antes dessas transformações o objetivo da universidade era fundamentalmente a formação de intelectuais da burguesia. Era da universidade que sairiam aqueles que ocupariam os cargos de projeção na sociedade, em quase todos os ramos. Tratava-se de uma concepção extremamente elitizada. É dessa concepção de universidade que surgem alguns “rituais” que mantemos até hoje em alguns cursos, como as pomposas formaturas, que simbolizam bem esse espírito que foi condutor da universidade por tanto tempo. Hoje esses rituais se mantêm muito mais por tradição do que por real ligação com seus significados originais.
            No Brasil, atualmente, o que vemos é uma forte expansão do ensino universitário. Promove-se isso com o fundamento da inclusão. O que não se fala é que não se trata mais da mesma universidade. A idéia agora não é mais a de formar os intelectuais que darão rumo à sociedade. A universidade hoje forma fundamentalmente os “soldadinhos da classe média”. São técnicos com formação extremamente especializada e fragmentada.
         Em verdade a universidade passou a se prender a um desenvolvimento técnico que tem como marca a alienação. Trata-se de um ensino cada vez mais massificado que, como já falei no post A alienação no meio estudantil, resume-se a desenvolver saberes em um sentido único buscando finalidades que já não estão mais em discussão e que nem mesmo podem ser vislumbradas pelos estudantes. É a formação que não questiona para não transformar.
            Logo, o que se vê hoje é uma universidade muito menos elitizada que nas décadas de 50 e 60, mas que passou a simplesmente formar profissionais com a pretensão de que eles, em nenhum momento pensem, apenas reproduzam o que aprenderam.
            Não quero aqui defender o modelo intelectual burguês de universidade. Certamente o ensino extremamente elitizado não deve ser colocado como forma de resistência a essa nova estruturação. Meu ponto é que essa estrutura de universidade vem para cumprir dois papeis fundamentais: primeiro, colocar a universidade dentro dos marcos do capitalismo moderno e das demandas de mercado; e segundo, promover uma divisão internacional do ensino similar a divisão do trabalho, mantendo a modernidade periférica também na periferia do saber sem a possibilidade de se desenvolver em sentido diverso.
            Na Europa a coisa não caminhou em passo muito diverso, há algumas diferenças, mas, o mercado também fez sua incursão no espaço universitário. Desde a década de 60 os franceses, por exemplo, já alertam para essas mudanças, em destaque para a internacional situacionista que promoveu o que entendo ser a melhor crítica desse contexto em um texto já referido Da miséria no meio estudantil.  
            Acredito que o grande marco dessa transformação na Europa seja o chamado processo de Bolonha. Esse processo gestado na universidade de Bolonha é fundamentalmente uma proposta de reestruturação e unificação do ensino superior europeu objetivando a integração das universidades européias para maximizar a empregabilidade dos jovens.
           No Brasil podemos destacar programas como Prouni e Reuni no âmbito federal; a reestruturação de universidades estaduais com a presença de fundações privadas e capital privado principalmente no desenvolvimento de pesquisas; no âmbito das antigas universidades comunitárias a reestruturação do sistema como, por exemplo, das PUCs. Todos esses exemplos são reflexos das idéias esboçadas nesse processo de Bolonha. Além disso, a década de 90 permitiu ao próprio capital privado criar suas instituições de ensino superior. Tudo isso mostra a cara da nova universidade que passa a emergir no Brasil.   
            A diferença fundamental está que na chamada modernidade periférica a pretensão é a de formação de “técnicos subalternos”, que serão capazes de executar tarefas precisas, mas que não desenvolverão a técnica, apenas reproduzirão; e nem terão uma formação capaz de dar os rumos a esse desenvolvimento. Para isso as universidades Européias e Americanas manterão sua primazia e formarão aqueles que terão efetivas condições para dar as diretrizes desse desenvolvimento.
           Trata-se da mais moderna colonização do pensamento, onde o pensar a técnica e o conhecimento sobre o desenvolvimento permanecem nos centros do sistema e compete à periferia apenas obedecer aos ditames e as direções indicadas pelo saber de quem vai, efetivamente, desenvolver as técnicas a serem reproduzidas.
            É preciso que se diga que a visão de totalidade do sistema se perdeu seja no centro ou na periferia da modernidade. As finalidades desse desenvolvimento já não estão mais em questão. A diferença é que enquanto os países do centro formam aqueles que protagonizam o sistema, os países como o Brasil se limitam a formar os executores dessas diretrizes.
            É precisamente nesse contexto que vislumbramos a alienação que venho falando. Esses profissionais saber muito bem como chega a um destino que desconhecem. Acredito que nesse ponto valha uma velha citação do filme Queimada! (Gillo Pontecorvo): “Melhor saber onde se quer chegar e não saber como; do que saber como e não saber onde”.    
           Por fim, destaco que o processo a que me refiro ainda não se concluiu. Obviamente a universidade ainda é bastante elitizada e as transformações promovidas pelo mercado ainda são muito recentes. Mas creio que tracei aqui a direção que todo esse processo tem tomado. A idéia não está sendo inserir a universidade na sociedade ou a sociedade na universidade, mas sim colocar a universidade na órbita dos interesses do mercado e na lógica da produção, onde o estudante é a matéria prima e o técnico o produto.           

            Bem, sobre o tema recomendo também a leitura do post O Processo de Bolonha: O que é isso? Para quem é isso?
            Farei ainda um post sobre essa temática exemplificando o que falei com o ensino jurídico no Brasil e aprofundando um pouco mais na idéia de técnica como alienação. Tentarei publicar o mais breve possível.

Ivan Sampaio

P.s: Desculpem pela qualidade bem inferior desse post, sei que a análise aqui foi colocada de forma muito superficial, mas não consegui o tempo que queria para desenvolver as idéias. Prometo que no próximo corrijo isso.  





[1] Da mesma maneira que no post A alienação no meio estudantil, o termo mais adequado aqui possivelmente seria o estranhamento usado por Marx. Tendo em vista, entretanto, a significação que ambos os termos tem hoje, opto por usar alienação ainda que represente uma imprecisão terminológica.   

22 comentários:

  1. Ivan,

    Eu acho que o ponto aqui são as idiossincrasias do processo brasileiro. O grande ponto é a ADIn do DEM contra cotas étnicas e sociais - sim, Prouni incluso. O DEM não é qualquer partido. Trata-se da principal linha de apoio da direita brasileira atual - capitaneada, por sua vez, pelo PSDB. O que isso quer dizer? Que a confrontação que está posta no nosso cenário atual é a lógica estamental de Universidade - formação de bacharéis - contra a ampliação do acesso em um sentido lato. Por outro lado, temos a duplicação do sistema universitário nacional, entre uma espécie de segunda divisão que forma operadores mais ou menos sofisticados para o sistema - as universidades privadas, cuja qualidade do técnico é (pelo menos em regra) relativa à mensalidade - e a "primeira divisão" que forma intelectuais, ou melhor, dirigentes para o Estado e para as grandes corporações - ou deveria fazer, mas não consegue fazer isso muito bem, o que corresponderia às universidades estatais. O caso da PUC-SP é que ela era uma Universidade privada voltada para a formação dessa elite, mas a Igreja, na falta de gente capaz de recatolificar o ensino dela, preferiu reduzi-la à formação de técnicos, pois se isso não ajuda, pelo menos não atrapalha e ainda traz dinheiro em troca. É algo como, ou intelectuais católicos ou nada, rebaixaremos mesmo. Foi o que aconteceu, estamos hoje dentro de um corpo que transmuta dolorosamente...de borboleta para lagarta.

    abraços

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  2. -parte 1

    Opa. Acabei de ver o link do blog no grupo da sala ME e dei uma lida nos posts. Como a idéia deve ser o diálogo, então acho que não vai se importar. Vamos lá.
    (aliás, se quiser dar uma olhada, o blog está meio abandonado, mas há o http://desconstruir.wordpress.com/, onde há alguns posts meus – na verdade apenas um – e de amigos e amigas).

    “Essa mudança a que me refiro trata-se, fundamentalmente, do momento em que se percebeu o potencial da universidade para o projeto de desenvolvimento da modernidade”. Ainda que talvez não tenha sido a idéia, a frase acima, a meu ver, parece sugerir, de modo implícito (talvez esteja de modo mais direto em “A idéia não está sendo inserir a universidade na sociedade ou a sociedade na universidade”), que a universidade esteve separada, em um dado momento, do desenvolvimento da modernidade, e que, em outro momento posterior (onde “se percebeu o potencial da universidade para o projeto de desenvolvimento da modernidade”), começou a fazer parte do tal projeto. A universidade, a meu ver, fez parte da sociedade (no sentido de: gerou, desde sua criação, ressonâncias em outros sistemas sociais, já que ela própria, a universidade, faz parte da sociedade), e, portanto, não se percebeu seu potencial para o projeto de desenvolvimento da universidade para então “usá-la” neste projeto; ao contrário, a universidade fez parte do desenvolvimento da modernidade desde que este projeto teve inicio e desde o momento no qual universidade foi construída (influenciando e sendo influenciada pelo projeto do desenvolvimento da modernidade). Esta ressalva seria totalmente irrelevante se não fosse a idéia de “A mão de obra agora precisa ter algumas qualificações e algumas capacidades específicas, mas, assim como na alienação[1] fabril, esses novos profissionais também não podem ter a visão da totalidade do processo no qual serão inseridos.“ (e, para deixar claro, antes de negar, reconheço absolutamente tanto os problemas de acesso à universidade, quer os do ‘passado’ quer os ‘atuais’ – que obviamente se relacionam – quanto reconheço os problemas de profissionais que apenas reproduzem o que “apreenderam”; só tenho uma ressalva sobre “hoje é uma universidade muito menos elitizada que nas décadas de 50 e 60”; a falta de qualidade dos cursos e a estranha restrição gerada pelo vestibular/mensalidades – além de muitas outras coisas – escamoteiam o problema do acesso à educação, onde é possível dizer que a universidade é menos elitizada e este mesmo argumento, ocasionalmente, serve como meio para ocultar problemas que estavam escancarados nas décadas de 50 e 60 – e obviamente não atribuo este tipo de posição ao post, que vai nitidamente ao sentido inverso).

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  3. -parte 2

    Minha restrição é: não é como se o mercado tivesse influenciado a universidade e a moldado à seu bel prazer (dado que, a meu ver, o mercado certamente ressoou na universidade e vice-versa, o que ocorre e ocorreu com todos os outros sistemas sociais, sendo razoável levá-los em conta não sob a forma hierárquica de privilegio de um sobre o outro em um tipo de observação de “superestrutura”). Se a universidade atende o que ela entende ser demandas do mercado, o mercado atende demandas que ele entende ser da universidade. Antes de prosseguir com a ressalva, gostaria de fazer uma ressalva da ressalva: segundo algumas teorias liberais, não há, hoje em dia, qualquer coisa próxima do livre mercado (e nunca existiu, sequer durante o chamado “Estado Liberal”; de qualquer modo, só para ficar claro, não estou dizendo que estas teorias liberais são superiores – nem estou dizendo que são inferiores - e, aqui, também não há qualquer pretensão de neutralidade ou “caminho do meio”. Acredito que a distinção liberal/social ou esquerda/direita já não dá conta de todas as demandas modernas, apesar de ainda serem interessantes). Por meio de métodos e concepções distintas dos métodos e concepções usados pelo post (a meu ver bastante alinhados a Marx, por exemplo), estes mesmos modelos liberais não estão felizes nem com o mercado atual nem com o ensino atual; tão pouco pregam “repetição” do que é apreendido na universidade ou acham próspero a idéia de “falta de visão da totalidade no processo no qual estão inseridos” (mas veja que o contrário, ou seja, a plena sapiência do processo no qual se está inserido, não é algo exatamente fácil; pode corresponder, em uma sociedade complexa, a ter amplos conhecimentos jurídicos, econômicos, filosóficos, sociais, históricos, estatísticos... é claro que deveria ser possível optar por um curso assim, construindo-o por meio de uma grade livre recheada de matérias não-dogmatizadas, ou seja, propensas à criatividade; mas não significa, necessariamente, que obter uma formação que corresponda à “visão de totalidade do sistema”, se é que é possível faze-lo, gere um individuo critico em relação ao sistema de ensino – é fácil pensar em um individuo que, mesmo com “visão de totalidade do sistema”, ache o sistema de ensino razoável, já que ele, tendo tal visão, pode acreditar que possui vantagem informacional sobre os demais indivíduos e se sinta bem estimulando seu ego desta forma; novamente, não há identificação necessária com este tipo de individuo nem com teoria liberais nem com teorias “esquerdistas”).

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  4. -parte 3

    Algumas destas teorias liberais apenas culpam o Estado (assim como é possível culpar o mercado) por esta depreciação do ensino (há, inclusive, artigos liberais criticando o processo de Bolonha!). É preciso diferenciar, sobretudo, a presença de capital privado com o subsidio intelectual liberal que aparentemente fundamenta esta presença: como já foi dito, nem todas as teorias liberais são à favor da presença de capital privado tal qual esta presença ocorreu e ocorre, muito menos é à favor da manter a “periferia” na “periferia do saber sem a possibilidade de se desenvolver em sentido diverso” – ainda que eu discorde do termo “modernidade periférica”, discordância a qual pode ficar de lado. Com isto tudo, então: É verdade que reproduzimos de modo mecânico o conhecimento formado, por exemplo, em universidades Européias e Americanas, usualmente apenas adaptando tal conhecimento (e às vezes nem isso) aos problemas por exemplo brasileiros, transformando saber em técnica (com a ressalva de que também nestas universidades, Européias e Americanas, há saber técnico, no sentido pejorativo de técnica; apenas a estrutura privilegia, mais do que aqui, o oposto, ainda que tal privilégio não seja, a meu ver, majoritariamente difundido – o que você identificou como “É preciso que se diga que a visão de totalidade do sistema se perdeu seja no centro ou na periferia da modernidade”; ainda que eu não acredite, como já expus, que o problema seja a falta de “visão de totalidade do sistema”, mas sim falta de possibilidade de construção de diferentes saberes, por via zetética-criativa, seja de saberes parciais ou específicos, seja de saberes totais ou gerais; é preciso fazer a ressalva, é claro, que não há via zetética-criativa sem um mínimo de interação entre saberes – apenas não é necessário uma “totalidade”, se “totalidade” significa compreender todas as “lógicas” – econômica, jurídica, cientifica, filosófica, estatística, tecnológica e assim por diante) (fim da ressalva da ressalva, retorno à ressalva principal, que de certa forma já foi desenvolvida).

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  5. -parte 4
    O mercado faz parte da sociedade (mesmo o mercado completamente distinto tanto da concepção de mercado liberal quanto da concepção esquerdista de mercado), assim como a universidade, a qual também influencia o mercado – assim como o sistema político, importante para a análise, influencia ambas e vice-versa. Os conhecimentos produzidos na universidade podem, ao mesmo tempo, se “alinhar” ao mercado e “alterá-lo” (um exemplo bem próximo, ainda que bastante simplista - e posso, claro, aprofundar estes pontos - a dogmática jurídica tal qual é atualmente repassada, com bases frágeis e estimulando a não-criatividade, pode influenciar como advogados, promotores e juízes se portarão no mercado, e o próprio sistema de ensino pode propiciar alterações dogmáticas não “planejadas” pelo mercado ou contra o interesse de certos grupos – que talvez você identifique como “burgueses” – e este mesmo sistema de ensino pode, ainda, “usar” o mercado para obter recursos a fim de gerar tanto conhecimentos dogmáticos quanto não-planejados, onde nem tudo o que é produzido na universidade nem “servirá” ao mercado ou se encaixará à este nem significa que idéias surgidas na universidade não provocará a adaptação da atuação de profissionais, “convencidos” de que esta prática é mais razoável (não necessariamente porquê gerará mais lucro - podendo este manter-se estável - mas, por exemplo, porquê tal prática é mais alinhada com a ciência moderna, e aqui não estou negando as óbvias relações entre ciência&mercado&política etc); por sua vez, o mercado pode melhor remunerar profissionais de certo "tipo" (que o comentário anterior classificou em 3a, 2a e 1a divisão) ou profissionais os quais são capazes de reproduzir certos conhecimentos, o que pode, por sua vez, levar a alterações na própria dogmática ou a formar, com maior probabilidade, certas concepções, ainda que não determiná-las absolutamente; por fim, políticos, perseguindo votos, podem aprovar leis as quais estimulem concepções, concepções que por sua vez podem contrariar interesses de certa parcela privilegiada “do mercado”, assim como podem, contrariamente e igualmente perseguindo votos, aprovar certas grades curriculares, voltadas ao mercado, estimulando o rechaço à certas idéias não- planejadas; talvez seja possível alegar um “continuísmo”, do tipo “não importa a influencia, ela não será suficiente para de fato romper o fluxo de como o mercado ou a universidade atualmente é”, o que de fato é verdade*; acredito, sobretudo, que não se possa culpar “o mercado”, “o estado” ou “a universidade/o sistema de ensino” isoladamente, dado que os 3 contribuem, a meu ver igualmente, com esse “ciclo”).

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  6. Parte 5

    *Sobre a “verdade”, comentando o outro post: “Meu ponto é que não se pode romper com o espetáculo partindo de uma presunção de que se detém a verdade. Acredito que um possível caminho é precisamente atacar toda e qualquer pretensão absoluta de verdade”. Acredito que a idéia contra a presunção de que se detém a verdade é um erro: partindo do pressuposto que ninguém pode deter a verdade, de certa forma é como se a verdade fosse algo ideal (já que ninguém pode detê-la; e veja que se todos podem deter a verdade absoluta, já não é possível falar em verdades absolutas, tão pouco relativas, mas simplesmente em uma "detenção" da verdade em um sentido bastante parecido com “a realidade é construída” – e acredito que isto não enseje, necessariamente, a idéia de relativismo, e posso expor os motivos alguma hora; o que acho relevante registrar é apenas a negação de qualquer idéia Realista do tipo “verdade por correspondência” – o que desestimula, a meu ver, a idéia de verdade como algo tão mundano quanto qualquer outro ato (como, por exemplo, o ato de cagar o qual foi relacionado com a “estátua” em algum lugar do post anterior). Sobretudo, decisões são tomadas e, portanto, não há como não assumir “verdades” (no sentido anteriormente construído).

    PS: No post anterior, há um comentário que relaciona Kant a Kelsen, e, mesmo sabendo que esta é a corrente majoritária de interpretação de Kelsen, acredito que ambos os autores devem ser radicalmente separados (de modo que acredito que o próprio Kelsen “usou” a obra de Kant de modo retórico – nas edições originais, por exemplo, não há menção a Kant, o que só foi feito, “adaptando” a teoria, posteriormente – dado, acredito eu, ao rechaço que Kelsen, judeu, estava sofrendo por parte de seus “colegas”; nada melhor do que evocar um prussiano para dizer: “opa, somos todos irmãos!”).

    T+
    André Ichiro

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  7. IVAN, meu cariíssimo Ivan, o blog está ricamente ilustrado e as questões colocadas, empolgantes. Bela iniciativa, não esmoreça!

    Senti falta apenas de um velho amigo nosso, a não ser quado das "fornadas de 'colarinhos brancos'": Tragtenberg. Por isso o transcrevo - dada a sua concisão -, pra não transliterar, a fim de minimamente contribuir com o blog.

    Em seu fundamental "A delinqüência acadêmica", de cara, coloca assim a questão:

    "O tema é amplo: a relação entre a dominação e o saber, a relação entre o intelectual e a universidade como instituição dominante ligada à dominação, a universidade antipovo".

    Referindo-se à passagem entre estruturações de universidade aludida no seu texto, Ivan, diz nosso amigo: "A transformação do professor 'cão de guarda' em 'cão pastor' acompanha a passagem da universidade pretensamente humanística e mandarinesca à universidade tecnocrática, na qual os critérios lucrativos da empresa privada funcionarão para a formação das fornadas de colarinhos brancos rumo às usinas, aos escritórios e às dependências ministeriais. É o mito da assessoria, do posto público, que mobiliza o diplomado universitário".

    E ainda, cortando e recortando o artigo dele: "O conflito entre o técnico e o humanista acaba em compromisso, a universidade brasileira prepara-se para ser uma MULTIVERSIDADE, isto é, ensina tudo aquilo que o aluno possa pagar".

    "A não-preocupação com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui em fator de 'delinqüência acadêmica' ou de 'traição do intelectual'".

    Uma universidade que produz pesquisas ou cursos a quem é apto a pagá-los perde o senso da discriminação ética e da finalidade social de sua produção - é uma MULTIVERSIDADE que se vende no mercado ao primeirro comprador, sem averiguar o fim da encomenda, isso coberto pela ideologia da neutralidade do conhecimento e seu produto"

    "/.../ A política das 'panelas' acadêmicas de corredor universitário e a publicação a qualquer preço de um texto qualquer se constituem no metro para medir o sucesso universitário. Nesse universo não cabem uma simples pergunta: O CONHECIMENTO A QUEM E PARA QUE SERVER?"

    "/.../ O mundo da realidade concreta é sempre muito generoso com o acadêmico, pois o título acadêmico torna-se o passaporte que permite o ingresso nos escalões superiores da sociedade; a grande empresa, o grupo militar e a burocracia estatal. O problema da responsabilidade social é escamoteado, A IDEOLOGIA ACADÊMICA É NÃO TER NENHUMA IDEOLOGIA, FAZ FÉ DE APOLÍTICO, isto é, SERVE À POLÍTICA DO PODER".

    Pois é isso aí, Ivan.

    Forte abraço!
    Rodolfo

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  8. Desculpem-me pela demora para responder aos comentários aqui. Mas devido ao caminhar dos últimos eventos na PUC/SP somado a esse final de ano “infernal” não tenho tido muito tempo para me dedicar a esse espaço.

    Bem, começando pelo que o André comentou. Vou apenas fazer um ou outro esclarecimento sobre o que falei por que acho que boas partes das críticas que ele trouxe provem muito mais de uma falha minha em me explicar nessa minha ultima postagem do que qualquer outra coisa.

    Sobre a idéia de liberalismo, bem, entendo que exista uma grande diversidade albergada embaixo da idéia de liberalismo. Eu particularmente não estou interessado nessas divergências teóricas e se fosse comentar alguma coisa; acho que partiria da idéia de que o liberalismo (apesar de sua diversidade) se constitui enquanto uma razão de estado ou uma arte de governar, que se reporta a um sistema de veridicção estruturado a partir das relações econômicas, do mercado. Nesse ponto independente da vertente liberal que você preferir, todas partem desse mesmo sistema de produção de suas verdades, tomando como ponto de partida o mercado.

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  9. Entretanto, acredito que em nenhum dos posts propriamente trate do liberalismo. Nem era minha intenção então me eximo de maiores comentários por que realmente acho que falei de outras coisas.

    Sobre a afirmação de os posts contem uma visão “esquerdista”, bem obviamente acredito ter deixado claro em minhas opiniões que me coloco sim, dentro do espectro político, na esquerda. Além disso, como também já disse, não acredito na “neutralidade”, sendo assim, toda analise e crítica provem de algum lugar, nesse blog não poderia ser diferente. Também em alguns momentos me socorri de idéias Marxistas, mas devo admitir que hoje, Marx não é a minha principal matriz teórica nem aqui e nem nas minhas pesquisas pessoais. Agora, nem por isso vou ignorar as contribuições de Marx, em especial ao falar da nossa sociedade mercantil, apenas por causa de uma série de preconceitos que circundam seu nome.

    No que se refere ao mercado e a sociedade. Obviamente que o mercado faz parte da sociedade, assim como a universidade também. Acredito que nenhum desses entes pode ser visto como apartado da sociedade. Meu ponto é que o mercado represente apenas uma fração dos interesses sociais. E a universidade tem sido colocada a serviço puramente dessa parcela de interesses, excluindo de seu interior paulatinamente, tudo que não represente um significado para o mercado. Acho que nesse ponto posso lembrar-me de uma idéia bastante liberal (ou neoliberal se preferir) é a idéia de “capital humano” da escola econômica de Chicago. Mas como não gosto de muito de me remeter a esses pensadores e nem tinha como falar de tudo no meu post optei por não desenvolver essa idéia.

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  10. No que se refere à visão de totalidade, nesse ponto acho que não me expliquei bem. Não se trata de uma visão total de todas as relações sociais ou da complexidade de nossa modernidade. Não acredito também nessa totalidade no que diz respeito ao processo histórico, nesse ponto prefiro ver a história como uma sucessão de descontinuidades. Mas, quando falei de totalidade me referia à capacidade dos indivíduos conseguirem ver a finalidade de suas práticas, ou seja, romper com o estranhamento que desliga meios de fins e limita o saber a gerir os meios (essa foi inclusive a minha crítica à universidade contemporânea). A idéia era dizer como a universidade tenta impedir a compreensão “total” das práticas que os estudantes estão desenvolvendo.

    Por fim, comentando brevemente a idéia de verdade que apresentei anteriormente. O que entendo é que, como talvez dissesse Heidegger, não podemos “entificar” a verdade. Deforma que ela não pode ser propriedade de ninguém, nem estar em nenhum local específico. Acredito que isso seja muito diferente da idéia platônica de verdade ideal. O que entendo é que a verdade não é essência, ela não é revelada ao homem, nem pode ser descoberta pelo homem. Ela é constituída conforme as relações de poder de um dato tempos histórico. De modo que nunca sabemos a verdade, mas sempre sabemos uma verdade. Nesse sentido recomendo a leitura do primeiro post desse blog onde expliquei minha proposta. Mas se quiserem só me atribuir um rótulo que chamem tudo isso de relativismo.

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  11. André, desculpe se não respondi tudo, mas esses acredito terem sido os pontos mais importantes dos seus comentários. E continue participando dos debates aqui, vc está mesmo certo, quero que esse possa ser um espaço de diálogo que possa nos enriquecer.

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  12. Para o Rodolfão.
    Bem, certamente muito do que falei vem mesmo velho, bom e muito atual Tragtenberg. Honestamente admito que eu não citei ele diretamente por preguiça de procurar as citações, mas como vc bem percebeu já estava tudo lá. Só espero agora vc e o Vlad para escrevermos aquele texto sobre o ensino jurídico. Assim que entramos de férias podemos combinar em.

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  13. Por fim para o Hugo.
    Certamente concordo com você que alguns partidos (o DEM é um ótimo exemplo, mas não o único) buscam combater qualquer forma de inclusão no espaço universitário, ainda quando essa forma de incluir se dá numa perspectiva mercadológica. A idéia desse tipo de partido é ainda uma política aristocrática. Apenas acho que a defesa das idéias de mercado não são a solução, assim como, da maneira que falei no próprio post, não se pode ou não se deve combater a mercantilização com o elitismo. Logo nem se deve usar do “elitismo” para combater o mercado, nem se deve usar o mercado para combater o elitismo.

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  14. Ivan, obrigado pelas respostas.
    Hum.. é que como o cunho dos posts são "esquerdistas" (e não uso o termo de modo pejorativo!) quis revelar certos contra-pontos e diversidades do "liberalismo" (dado que todas as diversas correntes liberais de alguma forma têm uma concepção de mercado, e, dado que o post relacionou "mercado" com "ensino", então apenas criei esse paralelo para tentar enriquecer o tema, no sentido de ver se seria possível desenvolver tanto uma critica que abarcasse peculiaridades de cada uma das diferentes teorias liberais quanto, talvez, “aproveitar” alguns argumentos destas correntes antes de descartá-las todos apenas por serem nomeados de “liberais”. Por exemplo, acredito que um economista da escola austríaca seja veementemente critico as universidades atuais, assim como um economista da escola de Chicago – ou, ao menos, é possível desenvolver criticas usando tais escolas, dado que algumas criticas até mesmo já foram feitas. Algumas destas correntes, na verdade, acham que o mercado atual pouco têm a ver com o mercado “ideal”, e, portanto, isto de “Meu ponto é que o mercado represente apenas uma fração dos interesses sociais. E a universidade tem sido colocada a serviço puramente dessa parcela de interesses” é uma critica que eles próprios fazem).
    Sobre a parte do estranhamento (que apenas relacionei a Marx dado que este autor também usou o termo, então foi apenas uma "dedução" - a qual pode estar errada), "Mas, quando falei de totalidade me referia à capacidade dos indivíduos conseguirem ver a finalidade de suas práticas".. acho que não fui claro, mas, para mim, não há uma única "finalidade" (ou submissão de universidades ao mercado mais do que vice-versa), de modo que ver as finalidades constitui algo extremamente complexo (e isso não significa “é complexo então deixemos para lá”. Assim sendo, não tenho certeza, mas acho que propus um argumento que vai para outra direção – mesmo que não se veja todas as finalidades, então que os fins vistos, ainda que específicos, não sejam observados de modo dogmático; na verdade, talvez nem você mesmo seja a favor da tese de “ver todas as finalidades”, e, se assim for, então meu argumento sequer é uma ressalva. Seria apenas um adendo.)
    “De modo que nunca sabemos a verdade, mas sempre sabemos uma verdade.” Eu diria que “a verdade” não existe, e, portanto, deter “propriedade” sobre a verdade é apenas deter propriedade sobre uma verdade (e existem várias – ainda que nenhuma tenha algo a ver com descobrir o funcionamento do mundo de modo que este funcionamento independe de quem o observa). É claro que a idéia não é atribuir rótulos, apenas usei a palavra “relativismo” para não ter que descrever, pormenorizadamente, toda uma corrente (sem que a discussão tenha demandado algo assim).
    T+

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  15. Andre,

    Um ponto central é que o Mercado é mesmo parte da sociedade. De certa forma sempre o foi, mas é preciso levar em consideração como funciona o Mercado no Capitalismo, isto é, qual a natureza de uma unidade de produção capitalista e qual a dinâmica que ela impõe às trocas no Mercado e, depois, como este Mercado interfere nos demais setores da sociedade. É evidente que o capital busca o controle do próprio Mercado no qual ele floresce, posto que isso é medida necessária para a sua expansão - e a lógica de permanente expansão é justamente a característica que o particulariza. Nesse sentido, o Mercado Capitalista exerce sobre a Universidade uma política de articulação de seus recursos e saberes para servir ao seu fim de expansão, eliminando cursos que lhe são inúteis - mas não necessariamente para a sociedade - e, muito embora, o resultado do que ele faz na Universidade o altere em seguida, isso é apenas parte da dinâmica comum às coisas, não o fato que essa forma de interferência deva ser sublimada, até porque a maneira como a Universidade pautada pelo Mercado irá lhe alterar em seguida não será de forma antagônica.

    P.S.: Fui eu que escrevi o comentário que relaciona Kant e Kelsen. É necessário distinguir um do outro, claro, mas separação "radical" entre ambos é impossível, podemos falar em que medida a influência de um sobre o outro se deu, não que isso não aconteceu, no fim das contas, o que os liga é, entre outras coisas, a crença numa figura de um grande imperativo, uma obrigação ex-nihilo que serve como elemento de justificação para uma ordem como se fosse a ordem, é a explicação da realidade por meio de um universal que, no fim das contas, não tem explicação - e isso independe de citação, alemães raramente citam diretamente aqueles que lhes influenciaram, basta lembrar que Marx foi profundamente influenciado por Spinoza (tanto ou mais do que por Hegel) e nem por isso o cite nas suas grandes obras.

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  16. Hugo:
    Olá.
    Bem, acho que a dinâmica que eu seguiria seria diferente. Prefiro uma análise de como o mercado é construído enquanto operação mental e como operação comunicativa. Comparativamente e a meu ver, não há nada que torne especial a expansão do mercado em relação a expansão de alguns outros sistemas (ainda que operem de modo diverso, ambos estão dispostos ao aprendizado), onde o sistema econômico (que, atualmente e a meu ver, pouco têm a ver com um mercado "liberal") constrói e irrita o sistema educacional tanto quanto o oposto (de modo que não há, PRIMEIRO, uma alteração da Universidade pelo Mercado para DEPOIS a Universidade alterar o Mercado. Ainda que as dimensões temporais de ambos sejam diferentes, deve-se falar, então, em mútuos acoplamentos assimétricos, e não em " resultado do que ele faz na Universidade o altere em SEGUIDA"). Não há apenas cursos que sejam totalmente úteis ao Mercado e nem um Mercado que seja totalmente útil aos cursos.

    PS: Bem, para expor minha interpretação de Kelsen, acho que preciso registrar alguns Conceitos. "Ordem" deve ser entendido tão somente como um tentativa (de inicio arbitrário e proveniente de um ato de vontade) de observar como seria se um tal material jurídico disperso fosse organizado (oferecendo uma explicação por meio de uma não-explicação). "Imperativo" só poderia ser entendido tal qual a inegabilidade dos pontos de partida, pretensamente desprovidos de conteúdo e que apresentam uma determinada teoria com uma aparência cientifica (particular, ou seja, que corresponde a uma determinada moral e não "a" moral, ao menos quanto ao seu desenvolvimento, já que seu "inicio" é arbitrariamente estipulado e desprozido de conteúdo "ético" ou "moral").
    As aproximações de Kelsen e Kant que costumo ler não igualam estes pontos, então opto por um argumento de "separação radical" apenas para preserva-los.

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  17. André,

    Eu entendi o que você colocou inicialmente aqui. A questão é que o Mercado dentro do sistema capitalista - e não "mercado liberal", eu não entrei na questão do liberalismo, que é uma certa tradição do pensamento filosófico e político e não sistema econômico - não é o mesmo que no sistema antigo e nos demais sistemas, ao contrário, a dinâmica do Mercado é profundamente diferente entre os inúmeros sistemas econômicos já existentes na História como a própria natureza e caráter ganhos pelas unidades componentes do sistema produção provam. Para falar em um conceito de Mercado que transcenda os diversos sistemas econômicos, seria preciso demonstrar que seu funcionamento seja, ao menos, parecido, o que é bem complicado. O meu ponto não é uma antecedência lógica que justificaria a primazia do Mercado sobre a Universidade em determinada condição histórica do Capitalismo, mas que ao jogar a Universidade na esfera do Mercado - o que em maior ou menor grau acontece no Capitalismo -, o que aconteceu é que este passa a articula-la e a dispor sobre a natureza dos saberes que são ali ensinados e quais interessam ou não. Quem estabelece o corte é o Mercado, ou melhor, os seus grandes agentes e não o contrário, porque é de lá que os recursos fluem e não o contrário.

    P.S: Separação radical é o que pode ser dito entre, por exemplo, o pensamento de Spinoza e o de Kant, não entre Kant e Kelsen. É aquilo eu eu disse, podemos debater em que ponto se distanciam, mas não que estão radicalmente separados. Em momento algum Kelsen abriu mão nem da duplicação da realidade kantiana (no ser e no dever-ser) ou das linhas gerais de sua perspectiva de universalismo e universalidade.

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  18. Acho que continuamos divergindo nos mesmos pontos (e talvez de um ponto adicional: capitalismo, a meu ver, também não é sistema econômico, mas sim tradição de pensamento "filosófico, político e econômico" assim como "liberalismo").
    "Que aconteceu é que este passa a articula-la e a dispor sobre a natureza dos saberes que são ali ensinados e quais interessam ou não. Quem estabelece o corte é o Mercado, ou melhor, os seus grandes agentes e não o contrário, porque é de lá que os recursos fluem e não o contrário". Como disse, a meu ver o mercado não "estabele o corte" mais do que a universidade o faz com o mercado. Alterações no corpo comunicativo educacional-científico podem alterar o mercado (ou seja, o sistema educacional constrói o que acha que é a demanda do mercado e atende, ou não, ao que foi atribuído - corretamente ou não - como demanda do mercado). A meu ver, "conhecimentos" podem estimular recursos e recursos podem estimular conhecimento de modo construtista-sistêmico (não causal, não determinante); o dinheiro (em sentido amplo) "flui" do mercado, o "ensino" flui do sistema educacional e as teses "fluem" do sistema científico (e é claro que há conexão entre produção científica, recursos e ensino; mas não há determinação de um sobre o outro mais do que do outro sobre o um; a universidade produz "cortes" já que, às vezes, práticas são descartadas ou aderidas no mercado de acordo com a "falseabilidade" destas teses, falseabilidade que pode ser influenciada por recursos e recursos os quais podem ser influenciados por esta falseabilidade - lucros aumentam ou diminuem na medida em que podem ser construídos à luz de determinadas teses, estas construídas pelo sistema educacional-cientifico) e, portanto, os recursos que são investidos não podem determinar qual será a comunicação cientifífica-educacional (apenas "estimula-la") e vice-versa.

    Acredito que a aproximação entre Kant e Kelsen como tradicionalmente esta aparece é prejudicial ao entendimento deste tal qual eu gosto de interpretá-lo, como expus no post acima, sendo, a meu ver, diversas as idéias de ser e dever-ser de um e de "universalismo" de um e de outro.

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  19. *em um ponto adicional
    *construtivista-sistêmico
    etc.

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  20. "a dinâmica do Mercado é profundamente diferente entre os inúmeros sistemas econômicos já existentes na História como a própria natureza e caráter ganhos pelas unidades componentes do sistema produção provam. Para falar em um conceito de Mercado que transcenda os diversos sistemas econômicos, seria preciso demonstrar que seu funcionamento seja, ao menos, parecido, o que é bem complicado." Acho que em nenhum momento discordei disso.

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  21. André,

    Eu não neguei que a Universidade afeta o Mercado, mas sim que esses espaços não estão em posição simétrica quanto à capacidade de fazê-lo. Uma das características do Capitalismo atual é justamente como o Mercado adquire certa proeminência em articular recursos e determinar direções para outros setores da Sociedade. Universidades não se auto-sustentam enquanto tal, e é o no Mercado que estão os recursos e essa Mercado é um Oligopólio formado por grandes agentes que suprimiu - como suprime - pequenos agentes. Não existe possibilidade de equivalência entre a capacidade da Universidade determinar um novo comportamento para o Mercado e o contrário disso, pela própria proeminência que os administradores das corporações têm e detrimento da comunidade científica ou dos próprios administradores acadêmicos - e o sistema universitário é subsidiário nesse jogo, sempre foi. Basta ver as próprias modificações sofridas na PUC nos últimos anos, com o sucateamento dos cursos inúteis para a atual dinâmica e configuração do Mercado bem como a própria alteração do ensino em outros que podem se tornar úteis por conta disso. Na Faculdade de Direito isso é óbvio, basta ver a forma como escritórios interferem na dinâmica acadêmica e comparar o processo contrário. É necessário ponderar a intensidade das afetações nesses encontros, do contrário estaremos diante de um todo simetrizado que se comunica traquilamente, o que não é exatamente o que ocorre. É necessário ponderar como se estrutura o poder na relação entre ambas as esferas.

    P.S.:No que toca Kant e Kelsen, a minha postura é a de que um filósofo inicia uma tradição quando coloca uma certa problemática - ou nos faz perceber uma certa problemática de uma forma diferente -, portanto, Kelsen está inserido no contexto da reflexão iniciada por Kant século antes, em suma, a reflexão radical sobre a função da norma e do julgamento - bem como da própria análise de ambos - como forma de dirimir as contradições e a própria busca pela universalidade - o que não abrirá mão de outro fator, inclusive, que é possibilidade da neutralidade da linguagem em certas circustâncias. É claro que a medida em que escreve, a obra de Kelsen adquire suas características próprias, resultando no seu positivismo, mas isso não o põe fora da problemática kantiana, do mesmo modo que Deleuze não está fora da problemática posta por Marx, embora tenha lançando um novo olhar sobre ela.

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