sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A alienação no meio estudantil

           Entendo que na nossa sociedade contemporânea é provável que os estudantes componham um dos grupos – se não o grupo - mais alienado existente.
            Para conseguir desenvolver o tema, inicio por um conceito. Pois bem, a alienação[1], no sentido marxista e abordando-a em relação à produção. Podemos afirmar, de forma simplista, que com a desvinculação do trabalho do homem do produto desse trabalho criou-se, na sociedade industrial, a incapacidade do trabalhador de compreensão do processo produtivo como um todo. Dessa forma, cada vez mais os funcionários se viam adstritos à reprodução de uma tarefa sobre a qual não tinham efetivo conhecimento, vez que não entendiam a finalidade do processo como um todo.
            Pois bem, na nossa contemporaneidade, não é segredo que as universidades caminham cada vez mais sob a condução dos interesses do mercado. O chamado ensino superior forma hoje essencialmente profissionais para um mercado de trabalho e a universidade cada vez mais pauta suas atividades para disciplinar os estudantes em moldes que os permitam ser bons operadores das engrenagens de suas atividades futuras. Nos cursos de direito se formam operadores da justiça; na administração, gestores da empresa (em alguns casos do Estado, visto como empresa); na engenharia, técnicos do funcionamento em diversas vertentes; na medicina, profissionais que tratam doenças ao invés de pessoas. Poderia mencionar muitos outros (Publicidade, Jornalismo, Arquitetura...), mas não vou individualizar um a um. Em síntese saem das universidades verdadeiras “fornadas de colarinho branco”.  
            Os exemplos que citei obviamente são locos onde a chamada “tecnicização” atingiu seus pontos mais elevados. Curiosamente são os cursos mais procurados, e que mais disponibilizam vagas atualmente nos bancos da academia. O que me pergunto é: o que significa a universidade se voltar para um desenvolvimento e formação preponderantemente técnica?
            De forma geral o que acontece é que essa função, a que serve a universidade hoje, trata não mais de desenvolver conhecimento, mas sim disciplinar esse desenvolvimento, para que ele se dê em uma única vertente. A vertente técnica. Desse modo a universidade se comporta como uma instituição que coloca uma espécie de “bitola” nos estudantes para que eles possam desenvolver o saber em um sentido único. Trata-se assim de desenvolver apenas essas técnicas bastante minuciosas e complexas a serviço de uma sociedade de mercado na qual já não se busca estudar suas estruturas enquanto um todo, mas apenas depreender meios para promover sua reprodução. Esses meios são a técnica, objeto de estudo quase único nas universidades hoje.
            È assim que se evidencia que a universidade contemporânea tem preponderantemente a função de ensinar o sistema e não mais se questionar sobre ele. Logo não se busca o entendimento da sociedade nem se questionar sobre seus objetivos, procura-se puramente estudar meios para manter as engrenagens funcionando de modo a provocar uma continuidade dos rumos desse desenvolvimento dado.   
            Agora, no que isso se diferencia da alienação marxista do operariado? É dessa forma que o estudante moderno não é menos alienado que o operário dos tempos modernos de Chaplin. Enquanto o operário passa o dia apertando parafusos numa fábrica e pode nem saber o que efetivamente se monta, o estudante passa sua estadia na universidade desenvolvendo técnicas que em nenhum momento se busca efetivamente conhecer suas finalidades. É assim que se garante um desenvolvimento da sociedade buscando se chegar a um destino que é absolutamente ignorado pelos condutores dos motores que impulsionam esse movimento.
            No caso do estudante, entendo que a alienação é um pouco mais gravosa do que no operário dos tempos modernos. A verdade é que o estudante dificilmente percebe sua condição, vez que ele está preso dentro de uma lógica que não só é disciplinar como é também espetacular. O estudante acredita estar no “templo do conhecimento”, no local onde se desenvolve o supra-sumo do saber humano. Nesse contexto, fica extremamente difícil enxergar a miséria de sua condição quando ele é visto por todos e por ele mesmo com atributos tão elevados. O espetáculo compõe assim o grande meio para obscurecer a mediocridade da condição do estudante. É por meio das luzes do palco ilusório no qual os estudantes são colocados, que se esconde, sutilmente nos bastidores, a miséria e a mediocridade estudantil. É um show, um espetáculo !   
            Quero por fim que todos entendam que não acredito que possa existir estudante iluminado que se escuse dessa alienação, desse estranhamento. Em verdade, todos, em maior ou menor grau, nos encontramos diante do espetáculo alienante da universidade. A única coisa que julgo possível é que alguns se percebam nessa situação. Mas esse fato não os liberta das amarras alienantes, pode inclusive agravá-las caso esses estudantes, que se supõe “esclarecidos”, passem a crer que detém a verdade; que isso os coloca em patamar mais elevado que os demais. Essa atitude nada mais é do que a construção de outro espetáculo alienante travestido de crítica.
            Meu ponto é que não se pode romper com o espetáculo partindo de uma presunção de que se detém a verdade. Acredito que um possível caminho é precisamente atacar toda e qualquer pretensão absoluta de verdade. Certamente não é “entificando” a verdade em uma análise que se passa possuí-la. A verdade não pode ser possuída, ela é constantemente disputada, mas, ao acreditar possuí-la, apenas se constrói novo palco para o espetáculo moderno, igualmente alienante.         
            O que pretendo é dedicar ainda mais uns dois ou três posts sobre essa temática focando em alguns assuntos peculiares desse contexto. Não sei se conseguirei cumprir com uma agenda, mas prometo tentar manter certa periodicidade nessas postagens.
             Por fim, deixo aqui uma referência e duas dicas.
           A referência é o texto: Da Miséria no Meio Estudantil texto revisado pelo filósofo francês Guy Debord
           A primeira dica é um post diferente do que escrevi aqui, mas interessante, sobre a Academia no Brasil: A Crise na Academia Brasileira do meu amigo Hugo.
            A segunda dica é o Filme The Wall, exemplo claro da “Sociedade do espetáculo” em diversas vertentes não só no meio estudantil.    
            
Desculpem por não conseguir ser mais sintético no post.

Ivan Sampaio

P.s: Vejam a primeira postágem do Blog Aqui onde falei sobre porque criei esse blog.   


[1]  Aqui, entendo que o termo mais adequado talvez não seja alienação, mas sim estranhamento. No jovem Marx a referência geral é o estranhamento, que pode ser pensado inclusive em relações muito mais amplas que a mera produção ou reprodução econômica. Mas como atualmente a palavra estranhamento tem outros significados, opto por me referir a essa idéia como alienação, ainda que isso possa mesmo representar uma imprecisão terminológica.    

4 comentários:

  1. Ivan

    Bom post, acho que uma questão a se pensar o seguinte: Se em 88 conseguimos constitucionalizar uma lógica de uma Universidade voltada para a sociedade, o que se apresentava como uma forma avançada de superação daquilo que estava posto, a universidade estamental, destinada a formar os futuros doutores ou iluminados bacharéis. O ponto é que na esfera política, o avanço de um pensamento mercadista engendrou - sob as frestas constitucionais - uma doutrina de mercantilização da educação superior, a formação não de doutores, mas sim de profissionais. Isso passou por cima do modelo anterior ao mesmo tempo que ignorou a determinação de um projeto de universidade verdadeiramente pública, que serviria para formar os cidadãos da democracia nascente. Essa questão é só uma das muitas como nas profundezas do sistema política criou-se uma saída de modernização conservadora da nossa sociedade - que passa pelo mercado, sempre - a despeito daquilo que foi duramente conquistado em 88 e resultou, bem ou mal, num projeto de democracia. O buraco é mais embaixo, mas é preciso ver as matizes mesmo dentro do sistema do capital e como se operou esse giro mercantilista.

    abraço

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  2. Hugo,
    O que acho é que a universidade, vendo-a no êmbito global, passou por uma transformação enorme apartir da década de 5 mais ou menos. Na Europa ocidental,foi nessa época que o mercado passou a olhar de forma mais atenta as universidades como meio de intensificar a produção de saberes em uma vertente que a ele interessasse.

    No Brasil, como sempre essa mudança veio com certo atraso. Poderíamos marcar mais ou menos a década de 90 como o período dessa modificação.

    Mas o que quero destacar é que essas mudanças fazem parte de um quadro estratégico de demanda de uma conjuntura de mercado. Mas não quero entrar no assunto por que isso será o tema do meu próximo post. O desmantelamento de um modelo "Intelectual/burguês" para a estruturação de um modelo "técnico/profissional".

    O que queria destacar é que por mais que vc tenha razão sobre as previsões Constitucionais sobre a universidade, acho que a universidade verdadeiramente livre não cabe em um modelo positivado. Mas acho que não preciso falar isso pra vc né, rs...rs...rs... sei que eu e vc podemos ser muitas coisas, mas positivistas certamente não é uma delas(nem mesmo constitucionalistas). Mas entendo que por vezes é possível nos valermos desses instrumentos menos dignos para tentar defender alguma causa.

    Nesse caso usar a constituição pra defender a universidade do mercado me parece tático na conjuntura atual.

    Acho que é isso Hugo.

    Abraço

    Ivan

    P.s: valeu pela ajuda na divulgação do blog, até ganhei uns seguidores no twitter hj !

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  3. Ivan,

    Não estou falando do direito positivo em si, mas na concretude política por detrás dele. Aquilo foi escrito tendo por sustentáculo a existência concreta de uma Assembleia Nacional Constituinte que, apesar dos cortes e recortes, aprovou muitas coisas importantes. Muitos dos políticos que aprovaram aquela Carta, inclusive, são os que continuaram protagonizando o grande jogo eleitoral nos últimos anos. O que tínhamos, tanto menos que a ideia da formação do intelectual/burguês, era a do bacharel/oligarca até os anos 80 e naquele momento, a crítica que prevaleceu naquela ANC era de que o modelo adotado deveria caminhar para uma formação cidadã, o que apesar de muito amplo, não coincide em momento - e aspecto - algum com a inflexão dos anos 90. De repente, o estamentalismo dá lugar ao mercadismo, posto que a elite nacional começa a perceber que ele não funciona e que é preciso mudar algo para que tudo continue igual.

    P.S.: É muito importante divulgar o blog e o twitter de quem a gente conhece. O espírito da rede é, evidentemente, suas conexões. Recentemente, numa discussão com um pessoalzinho muito bom da Blogo-twittosferam chegamos mais ou menos na conclusão deste post do blog do Tsavkko, linkar e tuitar material dos blogs alternativos com a hashtag #eblog.

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  4. Hugo,

    Plenamente de acordo ! Durante a semana farei um post retomando essa mudança na universidade e relacionando-a com a idéia de alienação/estranhamento desse post.

    Abraço

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