domingo, 14 de novembro de 2010

Quando o outro somos nós

        Antes de continuar a desenvolver o tema da universidade e do meio estudantil resolvi fazer esse post mais curto para comentar um pequeno vídeo que assisti esse fim de semana. Desculpo-me, de antemão, por não estar cumprindo a promessa de continuar o tema anterior agora, e peço que assistam ao vídeo Proibido Parar antes de lerem o que tenho a dizer, tem apenas 6 minutos e vale apena. Segue o vídeo aqui também:






        Achei o vídeo genial! É genial pela sua incrível simplicidade, as pessoas tomam uma atitude corajosa em defender o artista, e isso sem precisar de qualquer grande elaboração teórica de motivos. Trata-se de uma questão muito simples; reconhecer no outro um igual a si.
        Acredito que talvez essa seja a grande idéia e lição que podemos aprender dessas pessoas, que não tinham qualquer vinculo com o rapaz, mas foram capazes de se contrapor a autoridade por entender que uma afronta a liberdade do artista seria uma afronta à própria liberdade, à liberdade de todos.
        Mais fantástico é que não foi preciso nenhuma coordenação, de nenhum agitador, de nenhum dirigente. A identificação da opressão se deu de forma espontânea. Acredito que essa é uma pequena prova de que ainda é possível acreditar nas pessoas, elas não precisam ser esclarecidas, não precisamos ensinar a elas nossas verdades. Afinal de contas ninguém é idiota !
"Metamorphosis of Narcissus"  de Salvador Dali
      No fundo tudo passa pela velha problemática (acho que ainda kantiana) do outro. A grande idéia revolucionária é conseguir reconhecer no outro um igual.
        O que vemos em nossa sociedade é um constante esforço estratégico para impedir, por meio das relações de poder colocadas, esse reconhecimento. São os preconceitos étnicos que impedem as pessoas de perceberem em outra etnia um sujeito igual; são os preconceitos de opção sexual que insistem em impor barreiras nessa identificação; é a discriminação política, ideológica, social, religiosa ... Todos esses preconceitos e distinções são o que essencialmente nos divide e criam uma distinção artificial entre nós e os outros.
        Acredito que esse vídeo, muito simples, com pessoas em seu cotidiano, serve para nos mostrar que talvez as chamadas “massas” não precisem mesmo de uma “direção” nem de “iluminação”. O que podemos, acredito, concluir é que não é preciso a atitude de pessoas extraordinárias para trazer a “luz’ e a “verdade” para todos. Acredito que grandes atitudes são tomadas apenas quando mulheres e homens ordinários agem de forma extraordinária.
        O que precisamos mesmo perceber, é que pessoas que possuem verdades diversas das nossas, são igualmente capazes de atitudes extraordinárias.

Sobre esse tema recomendo um poema muito bonito do João Costa Filho no blog Espelho de Sombras
            
Me desculpem não ter continuado o raciocínio da postagem anterior. Mas na próxima retomo a idéia. Falarei da mudança dos objetivos da universidade e da relação desse novo paradigma com a condição do estudante.
            
Para quem não leu ainda, veja o meu post anterior aqui onde falei sobre a alienação no meio estudantil.


Ivan Sampaio 


6 comentários:

  1. Interessante, Ivan, isso me remeteu a Deleuze, quando ele trata da questão da transgressão, nos lembrando como o proibir desloca o desejo, construindo uma relação nova ao invés de simplesmente neutralizar a possibilidade de surgir uma nova relação a partir do que foi proibido, rompendo assim com um dos pilares da reflexão moral kantiana que desagua na sua própria perspectiva de direito que influenciou gente como Kelsen, por exemplo.

    De fato, Kant coloca o problema do Outro, mas antes dele, é importante lembrar a contribuição estóica na construção de toda a reflexão em torno da imanência e, por tabela, da negação da concepção platônico-aristotélica que legitima, a todo momento, a disposição dos indivíduos em patamares superiores. O cristianismo embrionário das catacumbas romanas traz uma constribuição preciosa nesse sentido, rediscutindo o papel da ética e do indivíduo, colocando a questão da igualdade e da identificação em um ponto central - muito embora a construção do catolicismo tenha suprimido isso, por passar muito mais pelo neoplatonismo do que pelo estoicismo.

    Spinoza, em sua Ética trata dessa questão, em especial na quinta (e última) parte, na qual ele discute a conquista da Liberdade Humana por meio do amor intelectual à Deus - em outras palavras, a supressão definitiva da oposição entre o Eu e o Mundo por meio da descoberta da maravilha que há fora de mim e em relação a qual meu interior não deixa de estar conectado. Em suma, trata-se da resolução do problema em relação ao qual Kant ainda tropeçará mais de um século adiante, que é a resolução do problema da duplicação da realidade, o que, no plano do vídeo, acaba por justificar a própria concepção de Lei que vemos no vídeo, cuja lógica é indiferente ao óbvio que os transeuntes conseguem perceber no absurdo da proibição ao artista: Em outras palavras, o rei está nu e as pessoas podem perceber isso.

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  2. Já havia visto este vídeo em outro blog e o que acho de mais importante em toda esta situação é a união das pessoas em torno de algo tão simples (deveria ao menos) que é a liberdade.É o tipo de defesa que dá sentido em se viver numa sociedade em que ninguém costuma ter tempo para ninguém.Uma expressão maior da liberdade...

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  3. Acho que a chave da atitude extraordinária das pessoas que saíram em defesa do artista está em terem sido capazes de reconhecer nele o outro.

    Em verdade não só em reconhecer, mas no fato de isso ter acontecido em uma sociedade onde tudo parece se esforçar para impedir essa percepção.

    Foi dai que apontei para a falta de necessidade de "iluminação" da consciência das pessoas. Elas não são idiotas!

    É preciso lembrar que as vezes, a probabilidade anti-euclidiana se manifesta e a flor brota do asfalto.

    A saída está na atitude ética de agir, e ser capaz de confiar em similar atitude dos outros.

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  4. Vi nos comentários menções a Kant, Deleuze etc., mas acabei fazendo relação com o belíssimo texto A formação da classe operária inglesa, do Thompson.

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  5. Eu particularmente não tinha pensado no Thompson, mas é possível relacionar com a formação de uma identidade de classe. Apenas acredito que da forma como coloquei aqui a coisa é um pouco mais abrangente. Então talvez a identidade da qual falei não deveria se restringir a "classe"...

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  6. já eu, que também vi Kant, Deleuze, Espinosa e Thompson por aí, pensei no que um chapeiro me disse certa vez, quando preparava meu pão com ovo: Sabe, tudo podia ser bem diferente, mas a verdade é que aqui todo mundo quer ser gerente.

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