Volto hoje a publicar aqui, mas mudei um pouco o que tinha me proposto no post anterior. Não falarei mais sobre as peculiaridades da alienação no ensino jurídico. Vou aqui tentar concluir os pensamentos que já desenvolvi nos posts: A alienação no meio estudantil e A alienação da universidade moderna. Deixo o ensino jurídico para momento posterior. Eventualmente até penso em um post construído por mais mãos.
O que quero discutir agora é precisamente uma problemática que repeti nos posts anteriores, que é a questão da técnica. Acredito ser, precisamente, o ato de transformar saberes em técnicas, um dos fatores que tem servido para provocar esse estranhamento, essa alienação, no meio estudantil sobre a qual venho falando.
A princípio, creio ser um pouco difícil caracterizar o que compõe um conhecimento técnico. Acredito que, de forma simplificada, podemos dizer que técnica é “um procedimento ou o conjunto de procedimentos que têm como objetivo obter um determinado resultado”.
Pois bem, partindo dessa definição, acredito que já seja possível ver aqui o ponto chave do que falei nos posts anteriores; o estranhamento (aquilo que chamei mais vulgarmente de alienação). Se a técnica é um conjunto de meios, já vemos que, com a própria constituição de um saber técnico, se procede uma separação, uma cisão entre meios e fins. Dessa maneira, quando se ensina uma técnica, ou apenas uma técnica, sem passar pelo estudo da constituição desse saber, perde-se a noção da real serventia desse conhecimento.
No caso das nossas universidades, que hoje se voltam apenas ao fortalecimento do caráter mercantil e espetacular da nossa sociedade como falei no post anterior, o que se tem feito é lecionado técnicas, de modo a produzir estudantes que dominem esses sabres, mas que não vislumbram a finalidade das práticas que virão a desempenhar. No fundo a alienação (ou estranhamento) se dá quando o realizador da tarefa não consegue mais reconhecer o produto do seu trabalho. Na universidade, os estudantes precisamente são esses agentes, que não estudam, e conseqüentemente não enxergam, o produto da técnica que aprendem. Estuda-se um conjunto de procedimentos para um fim que é dado, não se conhece de verdade e nem se busca conhecer.
É por isso que a instituição e o ensinar da técnica é, em si, uma forma de alienação. Para que se possa efetivamente utilizar-se da técnica seria recomendado conhecer muito bem seus objetivos, para não se cair no estranhamento entre o operador e o produto das operações.
No mais, ao se estudar exclusivamente a técnica e desligá-la de seus fins, o que se constrói é uma espécie de “naturalização” desses objetivos que busca a técnica. Concebe-se assim uma idéia de “desenvolvimento técnico”. Como se houvesse apenas um sentido possível de desenvolvimento. Como se “desenvolver-se” contivesse em si toda sua significação e não coubesse o complemento desenvolver-se para onde, ou em que sentido.
Dessa maneira, a técnica funciona como meio de estreitar a visão dos que a estudam e fazê-los enxergar apenas em uma direção.
Meu ponto é que, ao manter um estudo focado demasiadamente em técnicas, o principal objetivo que se alcança é mesmo naturalizar os rumos da idéia de desenvolvimento que essas técnicas concebem. No caso da universidade, trata-se de fazer de tudo para que não se estude os fins, apenas os meios, de forma que possamos desenvolver meios extraordinários para fins que não devemos mudar, já que não nos é permitido estudar e questionar. Por isso a universidade que se volta para os interesses exclusivamente do mercado e que só forma profissionais é uma estruturalmente castrante, alienante e conservadora do statu quo. A nossa universidade moderna é então o verdadeiro templo da ignorância. Entra-se com a pretensão de aprender e sai-se de lá com uma visão de mundo mais limitada do que no ingresso. É o espetáculo do ensino superior onde se produz ignorância com rótulo de sabedoria. Ignorância essa que chamamos conhecimento técnico.
Já informo que, nesse final de semestre, diminuirei as postagens. É bem possível que eu fique as próximas duas semanas sem fazer novos posts aqui. Mas assim que essa etapa mais conturbada passar, volto a me dedicar mais a esse espaço.
Ivan Sampaio