quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O Orgulho que serve ao Preconceito

            Fiquei hoje bastante surpreso ao tomar conhecimento que a câmara municipal de São Paulo aprovou o projeto de lei 294/2005 que institui o “Dia do Orgulho Heterossexual” (sic.). Pois bem, vou aqui tentar brevemente discorrer sobre o significado que acredito ter a aprovação de um projeto dessa natureza diante da atual conjuntura de disputas e conquistas do movimento LGBTT.  De antemão já me desculpo se por ventura me utilizar de algum termo impreciso, mas por mais que eu concorde com as pautas que impulsionam os movimentos LGBTT, tenho que admitir que não sou um grande militante e nem tenho um grande acumulo de debates ou leituras sobre os temas envolvidos na questão. O que buscarei fazer aqui é então falar de algumas coisas que acredito serem obviedades, embora tenha que admitir também que a aprovação de um projeto como esse ponha em duvida se o que pretendo falar é realmente tão óbvio.
            Vou iniciar então pela idéia da expressão que parece ter sido inspiração para o referido projeto. Não sei precisamente em que situação foi cunhada a expressão “Orgulho Gay”, mas posso conjecturar que, em tempos como o nosso, professar o “Orgulho Gay” signifique fundamentalmente três coisas. Primeiro, significa que aqueles que professam o orgulho, por serem gays, já romperam as barreiras de auto-repressão e agora podem produzir uma identidade própria enquanto homosexuais sem que se sintam intimamente diminuídos por isso. Em segundo lugar, o “orgulho gay” também significa que essa, chamemos de “identidade gay”, já se reproduz em um grupo de pessoas que se identificam entre si, e mais, que sua organização já alçou a capacidade de dar a esses indivíduos em coletivo a coragem de afirmar publicamente o orgulho de si mesmos. Poderia ainda destacar que a expressão tem um terceiro significado.  Trata-se dos momentos em que aqueles que não são Gay afirmam esse “orgulho gay”. Nesse ultimo caso, significa que a “identidade gay” já começa a ser aceita por outros grupos da sociedade que reconhecem aqueles sujeitos gays como pessoas dignas de orgulho próprio e merecedores de admiração alheia.   

            Penso que a idéia deste “orgulho heterossexual” seja muitíssimo distinta dos significados que destaquei para o “orgulho gay”. Na nossa sociedade contemporânea os indivíduos de orientação heterossexual não sofrem qualquer forma de repressão ou auto-repressão em decorrência de sua orientação sexual (eu particularmente não me sinto reprimido). Logo, proferir o “orgulho hetero” não se trata da afirmação de uma identidade que sofre discriminação. A pergunta é então: o que significa essa tal “orgulho heterossexual”?
            Primeiro, podemos falar em uma tentativa de esvaziar o significado da expressão que a inspirou. Professar um “orgulho hetero” de certa maneira confunde um pouco o sentido inicial do próprio “orgulho gay”. Se a identidade sexual hegemonicamente aceira professa seu orgulho, o sentido de manifestar o orgulho de qualquer uma das ditas minorias parece ser um pouco diminuído. O “orgulho hetero” em si parece algo vazio e, ao professá-lo, isso busca esvaziar de conteúdo o próprio “orgulho gay”. No fundo é uma tentativa de atacar a própria forma que os gays encontraram de se afirmar enquanto indivíduos dignos de respeito.
            Na perspectiva político-eleitoral podemos também falar que o “orgulho heterossexual” é uma reação conservadora à recente conquista do reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo. Uma tentativa de algum oportunista de usar da visibilidade que a pauta ganhou na atualidade para ressuscitar um projeto de 6 anos atrás e cativar um eleitorado conservador.        
            Por óbvio não se trata apenas disso. Por traz desse projeto de lei o que se abriga mesmo é uma estranha doutrina conservadora, a doutrina do medo. O que acontece, é que, em situações nas quais a sociedade passa por significativas transformações, as reações em prol da manutenção do status vigente se multiplicam. Alguns buscam precisamente disseminar temores em torno dessas transformações. No caso da questão da orientação sexual essa “doutrina do medo” se manifesta em afirmações como: “Os gays buscam doutrinar seus filhos e levá-los à homossexualidade”, “Não podemos permitir que se faça propaganda de orientação sexual”, “Nesse ritmo daqui a pouco não existirá mais ninguém heterossexual”. São afirmações como essas que buscam fazer com que aqueles que não são gays se sintam intimidados pelos movimentos LGBTT de forma geral. Dessa maneira a criação de um “dia do orgulho heterossexual” busca fomentar essa doutrina, como se a herossexualidade estivesse sendo ameaçada e precisasse professar seu orgulho para se defender.
            Essa falácia é a manifestação direta da homofobia. Trata-se precisamente um medo que desperta uma reação raivosa. Mas, no fundo no fundo, trata-se também do aspecto machista que está o tempo inteiro nos contornos da homofobia.
            Parece-me que um forte aspecto da homofobia é justamente a manifestação de um sentimento machista. Tomemos por exemplo os xingamentos corriqueiros: “bicha” “mulherzinha” “marica”... Todos fazendo alusão à “feminilidade”. Ou seja, a “feminilidade” tratada como ofensa. O mais curioso é observarmos algumas reações a esses insultos corriqueiros. Se um sujeito é chamado de “veado” uma resposta bastante comum do “ofendido” é convidar o ofensor para que “fique de quatro” para ele mostrar quem é o “veado”. Ou seja, o grande insulto em verdade é ser passivo em uma relação sexual.
            Aparentemente a grande questão que desperta essas atitudes homofobicas é o animo de repreender ou diminuir um indivíduo por ele “ousar” ter um comportamento diferente daqueles que historicamente foram atribuídos ao seu sexo. Quando pensamos no “uso dos prazeres” parece exatamente isso. O problema visto em um homem gay é que ele se atreve a “se rebaixar” a posição da mulher.  O que esses homens homossexuais terminam evidenciado propriamente é que o copo masculino pode se comportar e fazer atividades que são atribuídas ou permitidas apenas aos corpos femininos. No caso das lésbicas acredito que é a mesma lógica. São mulheres que ousam obter prazer de seus corpos sem a participação de um macho, elas ousam mostrar que seus corpos não são biologicamente projetados apenas para os comportamentos ditos femininos.
            Com isso a própria distinção (dita natural) de gêneros é posta em questão. Quando homens passam a se comportar como mulheres e mulheres como homens isso apenas evidencia que a natureza não diferenciou esses dois comportamentos. Isso mostra que as diferenças biológicas entre homens e mulheres não podem ser usadas como fundamento para as definições de identidades de gênero e de usos do próprio corpo.
            Dessa maneira, acredito que professar um “orgulho gay” não se trata de tornar toda sociedade gay. Esse movimento não tem pretensão totalizante, da mesma maneira que não é sectário. Parece-me que os gays não buscam uma nação gay pura e nem pretendem se isolar em guetos. Acredito que o movimento LGBTT busca exatamente integração e tolerância.
            O que penso é que o “orgulho gay” contribui para que se amplie o leque das identidades sexuais em nossa sociedade. Isso não é um passo para que a heterossexualidade passe a ser perseguida. Acredito mesmo que essas idéias afirmativas de um “orgulho gay” bem como as iniciativas de “visibilidade LGBTT” sejam o prenúncio de uma sociedade que seja capaz não só de diversificar, mas de romper com as próprias identidades de gênero. Uma sociedade onde um sexo não seja determinante dos papeis sociais que os indivíduos ocuparão. Uma sociedade onde todos possam utilizar de seus prazeres como lhes convier. Uma sociedade onde todas as formas de amor possam ser ditas e vividas.
            Parece mesmo que o “dia do orgulho heterossexual” é apenas o professar de um preconceito misógino e homofóbico em forma de lei.       


Ivan de Sampaio   

P.s: Sobre alguém que entende muito mais desses temas que eu recomendo a leitura dos textos da Luka no blog Bidê Brasil.

P.p.s: Sobre a relação entre machismo e homofobia vale também a leitura de um texto do Contardo Calligares de 2009 que pode ser encontrado aquiPor fim, recomendo também a todos que assistam a sustentação oral do Barroso no STF da União estável de pessoas do mesmo sexo aqui.    
                                                                            

9 comentários:

  1. Ivan,

    Acho muito bom tu te aventurares por debates deste jeito, seria ótimo que mais pessoas que pensam o mundo de forma geral tentassem fazer isso. O texto ficou muito bom, mas há uma questão sobre gênero que me parece equivocada, pois ela não é posta em questão com o debate LGBT, ela é na verdade reafirmada, pois dissocia gênero de sexo, o macho do masculino e a fêmea do feminino, pois o gênero é uma construção social e o macho pode ser feminino e a fêmea masculina.
    Acho que daria uma densidade legal entenderes de onde surgiu o dia do orgulho LGBT aqui dá um explicada simples e interessante: http://coletivo28dejunho.wordpress.com/por-que-28-de-junho/

    Bjs

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  2. Valeu Luka!
    Sobre a questão de gênero concordo com vc. Acho mesmo que a separação de sexo é uma coisa e a de gênero é outra muito diferente. O que quiz dizer é exatamente que não se pode usar da desculpa das diferenças biológicas entre homens e mulheres para afirmar que exista naturalmente um feminino e masculino. Essas duas ultimas categorias me parecem atribuições socialmente construídas e historicamente associadas a cada sexo.
    Valeu pelo comentário e pela dica da origem do "orgulho gay".

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    1. Amigos façam seus comentários:


      - A FARSA DO VITIMISMO AFRO-DESCENDENTE
      http://cinenegocioseimoveis.blogspot.com.br/2012/04/farsa-do-vitimismo-afro-descendente.html


      - A CONVERSA FIADA DE BANDIDOS:
      http://cinenegocioseimoveis.blogspot.com.br/2012/05/roberto-pompeu-de-toledo-choques.html

      Abraço a Todos
      Osvaldo Aires

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  3. isso pra mim é coisa de viado...

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  4. muito massa esse título! ah e o conteúdo também!

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  5. Textinho afiado, certeiro, honesto. Até repenso se devo escrever um outro sobre o assunto, temendo agora chover no molhado. Parabéns, Ivan!

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  6. Edu ultimamente escrever sobre essa apauta nunca é chover no molhado...
    Até aquele cara do youtube o PC Siqueira fêz um vídeo falando sobre isso. Segue o link: http://www.youtube.com/watch?v=Of6gF7GiFdM&feature=rbl_people
    Se prestarem atenção nos comentários fica claro o quanto temos que colocar esses questões de sexualidade em puta ainda...

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  7. Deparamos com uma situação complicada, em nossa sociedade valores são passados de instituições para outrem. Mais como poderemos definir o correto? me deparo com uma situação ainda mais complexa, ao longo da história a mesma questão pode se deparar com verdades distintas. O problema não esta na opinião e sim na falta dela, mais sempre devemos lembrar, a opinião não tem o poder de reprimir ou banalizar a outra.

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