sábado, 22 de dezembro de 2012

A Devoradora de Homens: breve análise da fábrica moderna a partir de Marx


Esse breve texto foi redigido inicialmente como resposta a uma questão proposta pela Profa. Marilena Chaui em seu Curso de Filosofia Geral II intitulado: Da Técnica à Tecnologia, ministrado no 2º semestre de 2012 na FFLCH/USP.  A questão proposta foi a seguinte: “Durante a revolução industrial do século XIX, considerou-se que as fontes de energia eram responsáveis pelas mudanças na técnica. Marx, porém, refutou essa ideia. Como e por quê?”.  

  
A Devoradora de Homens:
Breve análise da fábrica moderna a partir de Marx.
  
“Surge, então, em lugar da máquina isolada, um monstro mecânico que enche edifícios inteiros e cuja força demoníaca se disfarça nos movimentos ritmados quase solenes de seus membros gigantescos e irrompe no turbilhão febril de seus inumeráveis órgãos de trabalho.” [1]

“Deixai toda esperança, ó vós que entrais.” [2]


            A revolução industrial, de acordo com Marx, fez emergir da coesão e encadeamento das máquinas isoladas um colossal organismo produtivo. É preciso, entretanto, se atentar para a inversão que comumente é feita; ao contrário de o alimento ter produzido o monstro, parece ter sido o parto do monstro que passou a demandar o alimento.
            Nesse brevíssimo estudo, o que se pretende é mostrar, a partir da leitura fundamentalmente do capítulo XIII de O Capital[3] do Marx, como e porque a grande mudança técnica da revolução industrial do século XVIII não foi causada pela descoberta de novas fontes de energia[4], mas foi antes a causa da emergência delas.
“A própria máquina a vapor, na forma em que foi inventada no fim do século XVII, durante o período manufatureiro, e em que substituiu até o começo da década dos 80 do século XVIII, não provocou nenhuma revolução industrial.” [5]    
            O pensador alemão identifica precisamente na parte da máquina por ele denominada de “maquina-ferramenta” o ponto de partida da revolução industrial do sec. XVIII. “É dessa parte da máquina, a máquina-ferramenta, que parte a revolução industrial do século XVIII”[6]. O motivo disso, prima facie, vem da própria função que essa parte da máquina desempenha.
            Quando na primeira metade do séc. XVIII John Wyatt anunciou suas máquinas de fiar, ele não tinha enfoque na força motriz que movia suas maquinas. Ao contrário, a grande inovação anunciada era precisamente a capacidade de “fiar sem os dedos”. Desse modo, o marco primeiro da revolução industrial pode ser visto na substituição de uma tarefa produtiva bastante específica; a saber: o trabalho humano. É importante destacar que não se trata aqui de qualquer trabalho humano. Nas primeiras maquinas de fiar, por exemplo, o homem continua tendo seu local, mas agora longe de sua atividade está vinculada ao ato de fiar (uma atividade técnica), seu papel foi transformado, ou rebaixado, para a atividade de impulsionar a máquina que fia. Nas palavras de Marx:
“A máquina-ferramenta é, portanto, um mecanismo que, ao lhe ser transmitido o movimento apropriado, realiza com suas ferramentas as mesmas operações que eram antes realizadas pelo trabalhador com ferramentas semelhantes. Provenha a força motriz do homem ou de outra máquina, a coisa não muda em sua essência.”[7]            
            Pois bem, é depois então dessa primeira substituição, onde o trabalho humano já não produz propriamente o “produto final”, que é possível perceber um segundo movimento. Agora sim, atinente à força motriz das máquinas. Nesse segundo momento, o motor, ou a “alma”[8], da máquina fará com que a força que a impulsiona se liberte dos limites da capacidade humana.[9]
            É então essa segunda transformação que permite agora a hipertrofia do motor na fábrica. Um único motor agora anima um conjunto inumerável de máquinas, que podem ser da mesma espécie (mera cooperação de máquinas) ou podem estar encadeadas e articuladas entre si (um verdadeiro sistema).
            A partir então dessa articulação de máquinas animadas por uma só “alma”, surge o grande organismo febril e ritmado. Nasce o autômato, o processo automático da produção. A eficiência passa então a ser fruto do caráter ininterrupto da produção, do fluxo de matérias primas de uma máquina (órgão) a outra. Por fim, a maximização dessa eficiência se dará pela eliminação – o mais que possível – da interferência humana.
            Nesse contexto, o trabalho humano passa a ser uma atividade inteiramente vinculada à maquina. Os operários devem corrigir as imperfeições do sistema, atuam nas brechas, nos intervalos de tempo entre um movimento e outro dos membros do autômato[10]. Além disso, são ainda responsáveis pela alimentação do grande motor que anima o organismo inteiro. No plano ideal, a máquina operaria por si mesma, livre do fator humano, que passa a ser depreciativamente tratado como “interferência”, ainda que, paradoxalmente, necessária para o funcionamento da fábrica.[11]
            Dessa maneira, a própria divisão do trabalho, longe de se pautar pelo principio subjetivo da especialização do trabalhador, pode agora ser objetivada enquanto um sistema, um processo em cadeia. A questão principal é agora de gestão das forças que circulam no organismo produtor.[12] Nesse processo, o trabalhador é então expropriado de todo saber que possuía. Sua alienação[13] agora o impede de ter qualquer identidade com o produto final fabricado e a lógica da gestão não permite a esse trabalhador qualquer ciência a respeito do processo produtivo como um todo. Ele passa a ser mais um órgão do autômato, órgão esse que se espera em breve tornar-se desnecessário.
            Nesse sentido, percebe-se que a automação realmente parece caminhar no sentido de eliminar o trabalho humano, mas não a labuta do trabalhador. O próprio Marx – de certo modo também o Engels[14] – já anuncia que todo esse processo automático tem como grande objetivo a maximização da exploração do trabalhador, a intensificação da extração de “mais valia”[15].
“A tecnologia revela o modo de proceder do homem para com a natureza, o processo imediato de produção de sua vida, e, assim, elucida as condições de sua vida social e as concepções mentais que delas decorrem.”[16]     
            Desse modo, o que o autômato ou o processo automático torna evidente, é uma concepção de técnica, que de certa maneira começou a se desenvolver muito antes dele. De certo modo, a pretensão de o homem se tornar senhor da natureza, já desde o cogito de Descartes, permitiu que a técnica pudesse se desenvolver enquanto processo de “assenhoramento” do mundo pelo sujeito moderno. Por fim, a ideia de técnica enquanto violência contra a natureza pode mostrar-se, mais claramente no autômato, como uma violência contra o próprio homem. Emerge assim a fábrica-monstro que se alimenta dos blocos de carvão e no processo consome a alma dos empregados. O trabalhador é então ao fim animado pela alma da fábrica e se move no ritmo triste e repetitivo impulsionado apenas pelo motor central. Desaparece o trabalho, o saber e a esperança do homem, que agora está sujeitado no interior de um processo objetivo.



[1] MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I Volume 1. Editora Civilização Brasileira. 25ª edição. Rio de Janeiro/RJ. 2008. P. 438.  
[2] ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Inferno. Editora 34. 1ª edição (14ª reimpressão). São Paulo/SP. 2007. P. 37. Texto Original: “Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate”.       
[3] MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Op. Cit.
[4] No caso especialmente o carvão na maquina a vapor. 
[5] MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Op. Cit. P. 431.
[6] Ibidem. P. 429.
[7] Ibidem. P. 430.
[8] Alma no sentido daquilo que anima.
[9] Cf. MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Op. Cit. P. 434.
[10] É aqui que Marx menciona o surgimento da figura do “engenheiro”, que deve corrigir o funcionamento e reparar os defeitos da máquina sem interferir no ritmo da produção.  
[11] Cf. MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Op. Cit. P. 437.
[12] Certamente é possível ver aqui o germe dos saberes da administração e gestão que podem objetivar o sistema produtivo inteiro em sua natureza de cadeia produtiva. 
[13] Alienação no sentido marxista mais simples, de incapacidade de o trabalhador se reconhecer no produto de seu trabalho. 
[14] ENGELS, F. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Editora Global. São Paulo/SP. 1985.
[15] Os exemplos emblemáticos são o trabalho feminino e infantil, a intensificação do trabalho e a maximização da jornada. Cf. MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Op. Cit. P. 451/476. 
[16] Ibidem. P.428 (nota 89). 

9 comentários:

  1. hummm... minhas ideias não estão muito claras, então vou escrevendo o que vou pensando. Primeiramente não tinha ouvido falar dessa divergência de Marx. Capitalismo é um monstro que gerou a fome, e não a comida que gerou a fome do mosntro? Faz sentido. Humm... a comida não tava lá "se oferecendo"? Tá, qual o reverso disso? A comida (as fontes naturais) não dizem "está acabando o alimento, diminua sua fome" e o monstro responde "não, vou te ignorar, e continuar a comer o que sempre comi", faz sentido também. Por outro lado tambem há os que dizem que o capitalismo não tá tão desregulado assim, e que ele vai se adaptar e buscar fontes de renda renováveis, e tal. Mas, diversificando mais a divagação, a cena (não necessariamente real) de "2001 - Uma Odisséia no Espaço" mostra que os ossos estavam sempre lá, então o macaco pegou e pela primeira vez viu que podia manipular mais que seu corpo e usar coisas como extensão de seu corpo. Mas então foi o osso que se ofereceu ou foi a vontade do macaco (vontade como uma espécie de um antepassado do capitalismo) que buscou o osso? bom, essa parte talvez seja uma especulação boba... mas continuando a escrever pensando, Marx disse que a humanidade só problematiza quando as condições de resolver o problema estao aí. Então a nova técnica é buscada qundo as condições para essa nova técnica surgir já estão aí. Mas, isso não se refere aos materiais, e sim à capacidade problematizadora do cérebro humano. E se separarmos a ténica do uso prático? Teremos então a técnica-que-funciona-na-teoria anterior à técnica-aplicada-na-prática. Temos então, 4 coisas: o material, a problematização, daí surgem mais duas: técnica-teórica, técnica-prática... 2 delas existem no mundo real e 2 delas dentro da cabeça... Pela ía, isso me lembra algo também... ah, sim, do materialismo! a maior diferença entre o hegealismo e marxismo estaria aí: primeiro as coisas existirem materialmente ou primeiro existirem na cabeça. Sendo assim, o ordenamento correto seria: material-matéria, ideal-problema, ideal-solução-técnica-teórica, e material-tecnica-prática... Mas isso não entra em contradição com o enunciado de Chauí? Vejamos... matéria-fonte-energética, técnica... ué?!?! (estranhamente, acho que cheguei a uma questão importante mas minha intuição não tem certeza se esse era o cerme da minha estranheza...). Voltando ao problema... o que á fome-monstro do capitalismo? De fato, não é um movimento muito racional, vide que a despeito de iniciativas de buscar energia aeólica, etc, a maioria disso é apenas coisa pequena comparado com o lobby pelo uso desenfreado do petróleo... Outro exemplo seria a da máquina a vapor... mas não sei, algo me diz que esse exemplo é fraco. Muita coisa que no começo não foi muito usado depois foi amplamente usado... Xerox por exemplo. Computador? Houve revolução de informática? Ou foi apenas evolução? Vou descartar esse exemplo do vapor, acho que pensar muito a respeito tira o cerme da questão.

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  2. A pergunta é o que vem primeiro e por quê. Afinal, o que éa fome? De fato, talvez essa fome, não deva ser confundida com a vontade de resolver problemas... Essa fome é mosntruosa, mas é uma fome benéfica segundo os defensores do capitalismo. Muitos dizem que essa fome é diretamente ligada às melhores qualidades humanas (ambição, inteligência), já do posnto de vista socialista são as piores qualidades humanas (egoísmo, sede-de-poder, irracionalidade na defesa do capitalismo). Acho que vou dar um desconto e considerar que não são nem as piores nem as melhores qualidades e que na verdade são sentimentos muito próximos, mas que podem ter sua fase benéfica e a maléfica. Então o que é essa fome, considerando agora que nao é necessariamente mosntruosa? (ainda que seja muitas vezes). Estamos falando de solução de problemas? Estamos falando de técnica-teórica ou de tpecnica-prática, ou ainda, e ainda a problematização? Mas calma aí, se é a problematização, claramente pelo materialismo o fonte energética vem primeiro... Não, acho que também não estou entendendo a fonte energética também. O que ela é? Como simples matéria, de fato matéria vem sempre antes. Mas fonte energética indica que ela, já foi cosntatada em sua utilidade, ou seja, o bronze antes da era do bronze era só uma pedra, silício então seria considerado areia (quando hoje em dia é vital para informática). Mas... o que é o próprio materialismo? Será que uma pedra/areia deve ser vista em sua potencialidade, ou é apenas pedra/areia mesmo até que o ser humano ache uma utilidade? O ideal disse "quero uma faca" e fez com que a pedra passasse a ser usada como bronze? O material é o homem tava usando a pedra/bronze e alguma hora viu que a partir do que estava lá, era possível novos materiais. O destino de uma nação, pelos idealistas seria feito através de decretos de cima para baixo e pelos materialistas seria levando em conta o conjunto de condições materiais/econômicas (por isso mesmo é de se condenar a atuação dos socialistas-que-não-vêem-a-realidade-e-só-ficam-gritando-radicalismo). Tá, voltando às fontes energéticas... petróleo era só um óleo (indesejável e os agricultores ficavam tristes quando começava a sair da terra), vapor era apenas água quente, urânio era só um mineral (que confesso nem sei a aparência). Materialmente, a humanidade já sabia que eram fontes energéticas ou não devem saber? (putz, algo me diz que está sendo um pouco demais para minha cabeça pensar o que está por trás da fome e simultaneamente da fonte energética, vou me esforçar um pouco mais...) (er... não sei, estou com uma estranha sensação de que esou é complicando uma questão que na verdade é muito simples, vou descansar por hoje e pensar outra hora, desculpe divagar tanto sem chegar a nada...)

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  3. É, de fato, uma questão interessante, Ivan. Deleuze e Guattari são mestres em ampliar os horizontes da problemática geral das máquinas no plano do materialismo, pegando um fio da meada que está em Marx, mas é pouco discutido entre os marxistas (sobretudo os ortodoxos, que preferem se fiar na estratificação da diferença entre capital fixo e variável, coisa que não é tão estanque, sobretudo se posta em confronto com a noção de circulação do capital), dizem eles: "Das duas definições de fábrica dadas por Ure, e citadas por Marx, a primeira reporta as máquinas aos homens que as vigiam, a segunda reporta as máquinas e os homens, 'órgãos mecânicos e intelectuais', à fábrica como corpo pleno que os maquina. Ora é a segunda definição que é literal e concreta" (O Anti-édipo, p.529-30 [p.482], referência ao capítulo XIII do Livro I de O Capital). A máquina -- que precisa ser vista para além do seu aspecto técnico, uma máquina maior, a fábrica, é formada pelos operários e pelas ferramentas, ambos conjugados funcionalmente -- precisa nascer para ter fome, e sua fome é determinada nos termos de sua organização, muito embora na medida que algum alimento se torne real, ele imporá um novo regime à máquina e fará nascer novas máquinas: a máquina tinha cada vez mais fome, em virtude disso, encontraram o petróleo, o que altera a máquina, permite o desdobramento de seus limites, mais apêndices, novos gadgets, uma nova articulação com a máquina homem e, ao mesmo tempo, novas máquinas (a bomba que extrai o petróleo do chão, os automóveis que se tornam possíveis).

    Existe, como Célio colocou, o risco da tautologia: se as condições materiais determinam as coisas, poderíamos dizer que as fontes de energia pré-existentes à fábrica e à técnica fabril informaram seus termos. Mas do mesmo jeito que até mesmo a velha questão sobre se o ovo veio antes da galinha, ou vice-versa, tenha resposta, uma vez que os répteis são cronologicamente anteriores às galinhas e ponham ovos, podemos dizer que aqui a questão da diferença resolva, no fundo o problema: em qual momento houve um corte determinante? Mas Deleuze e Guattari, ainda que nos deem as condições gerais para pensarmos a questão, não conseguiram avançar (Marx tampouco) numa reflexão mais profunda sobre a técnica; e técnica é o mesmo que arte, apesar da insistência modernista em cindi-las (a técnica nos termos do modernismo é um fantasma, mas o mesmo talvez possamos dizer da arte: a primeira elevada ao extremo do objetivismo e a segunda do subjetivismo livre limitado apenas pelo juízo estético do crítico [Agamben]). Pensemos, pois, na técnica como intervenção criativa em um meio, em uma situação. A técnica ou arte existe em virtude da potência do homem em superar os limites do que lhe é posto, do que o circunda, ela se dá em função dos materiais (mesmo das fontes de energia) disponíveis, mas visa ir para além deles. A técnica, mesmo nublada pela cisão operada pelo projeto moderno, modifica as fontes de energia -- em quantidade e qualidade, pela energia que seu emprego demanda --, mas sua existência é dada pela limitação material que lhe é anterior e demanda sua existência, pela insuficiência da natureza frente ao desejo humano. A faísca que produz isso é a natureza do próprio homem que é, precisamente, a de ir para além de sua própria natureza. O elemento diferencial é, no fim das contas, o desejo, a única coisa que podemos, talvez, chamar de nossa essência [Espinosa].

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  4. Olá Hugo, sua resposta é muito interessante, eu não sei se Marx deixou de avançar na questão acima (quando você diz "...não conseguiram avançar (Marx tampouco)"), eu arriscaria dizer que ele avançou sim, talvez sem ter conseguido exprimir a questão em palavras, mas talvez eu esteja apenas sendo puxa-saco dee Marx. Tá, mas como objetividade é o que interessa, o que posso confirmar é que não lembro de nenhum texto do Marx que relacione a matéria, técnica com o desejo e a nossa essência como esse tal de Espinosa.

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    1. Existe uma noção pouco discutida em Marx chamada gattungwessen: o homem produziu o próprio homem no ato fundante da história. Não é que o homem tenha, ali, produzido a civilização, mas sim o contrário, ele criou a natureza ao se separar dela. E o homem, de lá para cá, se criou e recriou várias vezes. A cada geração. A centralidade da criação -- terrena, comum e imanente -- em Marx é um ponto importante. E Marx não deixou de pensar as pulsões (trieb) e o elán do homem como algo além da consciência. Se a história nos atravessa e nós atravessamos a história, existe um ponto chave que permite isso: é, abstratamente, a nossa vontade e concretamente o nosso desejo. Marx avançou muito, mas só após o advento da psicanálise tivemos subsídios suficientes para pensar um estatuto científico do desejo, embora as bases ontológicas para tanto estivessem postas por Espinosa há muito tempo, coisa que Marx, embora o tenha lido, tenha feito uma opção estratégica por certos aspectos do idealismo alemão, até finalmente se desvencilhar disso -- sem resolver o problema, mas tomar uma direção inequívoca para fora da tradição do modernismo e do idealismo. Enfim, o que me interessa em Marx é o horizonte para o qual ele, em sua produção tardia, se moveu.

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    2. Tô me lembrando que um tal de padre Richard Wurmbrand escreveu seriamente um alerta sobre Marx e Satanás que é muito cômico. Segundo ele, os 3 piores da humanidade foram
      - Darwin, que disse que o homem veio do macaco
      - Marx que disse que somos impulsionados pela matéria (e não pela fé)
      - Freud (completando a tríade do demônio) que disse que somos impulsionados pelos sexo
      Marx tinha intenção de fazer uma dedicatória a Darwin, no 2° Livro de O Capital pois considerava o livro de Darwin uma vitória da ciência, assim como O Capital deveria ser interpetado. Não foi porque Darwin recusou.
      Mas Marx acharia interessante sim o Freud.
      Aliás, mudando de assunto, as referências leterárias de Marx provavelemnte seriam diferentes se tivesse existido na época algo chamado Ficção Científica. Tenho quase certeza que ele acharia muito interessante contos como O Pagamento de Philip K. Dick (em que um homem tem sua memória apagada todo fim de expediente pois a fábrica tem medo de que vazem segredos industriais), ou ainda O Cair da Noite de Isaac Asimov (sobre uma sociedade que nunca experimentou o escuro por viver num planeta com 6 sóis ao redor e quando a noite chega num eclipse a cada 200 anos acontece a barbárie total).

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  5. Ivan de Sampaio, Murilo Oliveira, Hugo Albuquerque, vejamos aonde cheguei: o problema exposto no Blog do Ivan para mim se transmutou no seguinte enunciado: "Como aceitar que Marx teria dito que não foram os recursos naturais que determinaram a produção e sim a produção que determinou o uso dos recursos naturais sem que isso fira o materialismo (primeiro a matéria, depois a ideia) quando é evidente que os recuros naturais são matéria e a ideia do engenheiro para utilizá-la é ideia?"
    Pois bem, cheguei até mesmo a fatiar as etapas quando o recurso natural é descoberto, o estudo da sua utilização, e a sua utilização prática (aparentemente o caminho matéria-ideia-matéria). Afinal, o primeiro homem-macaco que pegou o osso para bater (cena de 2001 - odisseia no espaço) primeiro viu materialistamente o osso e depois pensou que poderia usar para bater ou idealistamente pensou primiero em bater e depois reparou no osso? Refleti sobre vários exemplos, e no movimento de fatiar que reparei que algumas coisas têm de ser reestudadas mais de uma vez para sua utilização de última geração. Por exemplo, o bronze era primeiro era uma pedra, depois foi usado na era do bronze como metal maleável para fabricar instrumentos e na era elétrica é usada em fios. A cerâmica era como barro, depois foi usada para fabricar vasos, e agora é usada em eletrônica por suas características supercondutoras. Assim bronze e cerâmica são exemplos de coisas que não basta a primeira vista para serem usadas em suas aplicações mais de última geração. Daí que pensei "será que quem disse que é a partir dos recursos que nasceu a produção, teve tanto trabalho de reflexão?" e cheguei à minha solução para o problema.
    A minha solução é o seguinte: o problema de se partir dos recursos é que o pensamento por trás carrega um raciocínio idealista dentro dela. E do outro lado, o pensamento de que foi a produção que buscou os recursos carrega um raciocínio materialista dentro dela. Ainda que os recusros sejam matéria, o intermediário até se chegar ao produto final é um caminho idealista, que no caso da cerâmica por exemplo faria pular a etapa da descoberta de suas propriedades (que só seria possível após as descobertas eletromagnéticas no zero absoluto). E o caminho de pensar que foi a produção que demandou os recursos percorre o caminho materialista-HISTÓRICO de dizer que tal utilização não seria possível sem o acúmulo de conhecimentos e condições ao redor. Essa é a solução a que cheguei: a de que se deve enxergar o raciocínio e não simplesmente encarar os recursos como matéria e a engenhosidade como ideia. Aliás a engenhosidade, por mais que por exemplo peguemos um aparelho eletrônico e reparemos que suasa formas foram mais fruto de intelecto do que moldes pela força, continuam sendo matéria. E eu mesmo, não sou cercado de ideias para desenvolver meu raciocínio, sou cercado de papeis com ideias, ou seja, matéria.
    OBS: porém se essa solução tivesse sido desenvolvida não por mim, mas por outra pessoa, e eu estivesse brava com ela, provavelmente diria que foi uma "pirueta inteligentemente imbecil"...

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  6. Após período de "matutação", acho que minha resposta está certa sim, eu até retiraria o exemplo final do papel e a observação sobre pirueta (rsrs). Bem, acho que todos trilharam caminhos interesantes, inclusive o Murilo que falou que a voracidade do capitalismo cria um materialsimo puro (o ideal raptado, era algo assim né). Essa voracidade do monstro, o ato de "viver" do monstro (ele come, cresce e come outras coisas) também se conecta ao comentário do Hugo de que o homem se cria a partir do modo como se distingue/afasta da natureza. O próprio movimento que envolve matéria/ideia está diretamente ligado com a dúvida come-para-crescer/cresce-para-comer, que envolve a dúvida/paradoxo sobre a natureza: ao comermos nos apropriamos da natureza e nos aproximamkos dela ou justamente por nos apropriamos dela (colocando em nosso território) nos afastamos dela? (essa última dúvida foi resultado de refleteir sobre a palavra "gattungwessen" que Hugo citou)

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  7. Acho que ajuda também esse trecho que achei de Capítulo VI inédito De O Capital (que eu apelidei de "Cafeine", após ler errado a minha própria abreviação "Cap6ine")
    pág 138: "... não só o capital produz mas também como ele próprio é produzido e como quando sai do processo produtivo é essencialemmnte diferente de quando nele entrou. Por um lado, o capital dá forma ao modo de produção; por outro, esta forma modificada do modo de produção e certo nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais constituem a base e a condição - a premissa - do seu próprio desenvolvimento"

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