sexta-feira, 21 de outubro de 2011

VII Colóquio Internacional Michel Foucault - PUC/SP


Faço essa pequena postagem apenas para lembrar dessa atividade, que já divulguei em postagem anterior, da qual faço parte da comissão organizadorae que acredito ser um acontecimento, como diria Foucault.
            Entre os dias 24 e 27 de outubro acontecerá na PUC/SP o VII Colóquio Internacional Michel Foucault. O tema dessa edição será: O Mesmo e o Outro. 50 Anos de História da Loucura.
         Já coloco aqui a programação que também está disponível no site do evento





Mas, para mim, 1961 continua e continuará sendo o ano em que se descobriu um verdadeiro grande filósofo. Eu já conhecia pelo menos dois que haviam sido meus colegas de estudos, Raymond Aron e Jean-Paul Sartre. Também não eram  indulgentes com relação a Foucault. Um dia, contudo, os três foram vistos juntos.  Era para apoiar, contra a morte, uma aventura sem fronteiras. (Georges Canguilhem)

            Tendo por mote central a comemoração do cinquentenário de História da loucura na idade clássica, o Departamento de Filosofia e o Programa de Estudos Pós-graduados em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo propõem a realização do VII Colóquio Internacional Michel Foucault. O evento pretende dar continuidade a uma seqüência regular de Colóquios, realizados em várias instituições (USP, UERJ, UNICAMP, UFRGN, UFRJ) e fazer da “celebração” desta obra já cinquentenária um instrumento de interrogação e de abertura às questões do presente.
            A programação do evento está estruturada em conferências e comunicações. As conferências serão proferidas por professores convidados estrangeiros (Ècole Normale Superieure de Paris, Université de Bordeaux, Universidad Complutense de Madrid e Universidade de Lisboa). As comunicações serão organizadas em mesas redondas com professores brasileiros de várias universidades do país, vinculados a diferentes áreas do conhecimento (Filosofia, História, Educação, Ciências Sociais, Psicologia, Direito), configurando assim a natureza interdisciplinar do evento.

Para inscrições e mais informações consultem o site do Colóquio aqui. 

Ivan de Sampaio

P.s: Fiz também um pequeno textinho que fala um pouquinho sobre um dos temas desenvolvidos por Foucault na História da Loucura. Veja a postagem aqui.      


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Reitor Biônico e as Vítimas da “Revolução”



            Algumas semanas atrás, um monumento em construção na cidade universitária (USP) causou certa polêmica por ter como título: “Monumento em Homenagem aos Mortos e Cassados na Revolução de 1964” (sic.). O suposto erro foi rapidamente corrigido pela reitoria da USP que tentou se justificar com o velho argumento do “erro burocrático”. Fato é que a placa colocada na frente da obra foi removida, e os atuais rumores é que o novo texto trocará “revolução de 1964” por “regime militar”.  
            Mas, o que quero discutir hoje é outra coisa. Vou usar desse monumento apenas por que acredito que o episódio seja bastante ilustrativo do que quero tratar aqui, até por que o monumento em si é um projeto do NEV/USP[1] que faz um trabalho sério e de qualidade.          
            Parto aqui do seguinte pressuposto que, por julgar evidente, não quero pô-lo em discussão. Em 1964, na madrugada do dia 1º de abril aconteceu um GOLPE de Estado encabeçado pelas forças armadas que instaurou uma ditadura civil-militar no Brasil.
            Por melhor que tenham sido as intenções em construir um monumento em memória dos que foram vítimas da truculência dos anos de ditadura civil-militar, acredito que ao afirmar, nessa suposta homenagem, que a luta dessas pessoas era contra uma “revolução” nada mais é do que calar todos os motivos pelos quais elas foram perseguidas ou mortas. Ao contrário de esse monumento enaltecer a memória dos que lutaram, finda por torná-los vítimas da própria homenagem, ao negar sua causa e legitimar seus algozes como se revolucionários fossem. É preciso acrescentar que a palavra regime inda não é satisfatória. Tratar a ditadura por seu eufemismo certamente não dignifica aqueles quem se quer supostamente homenagear.   
            Agora, o curioso é observarmos que a construção desse monumento se dá dentro do Campus da Universidade de São Paulo durante a gestão do Reitor João Grandino Rodas. Penso que esse fato é ilustrativo da própria gestão desse senhor e mais, diria que a palavra revolução é um ato falho revelador.  
            Para aqueles que não sabem o processo de escolha do reitor da USP é algo bastante peculiar. De forma geral esse procedimento está descrito no Art. 36 e incisos do Estatuto da Universidade de São Paulo. O que quero destacar é que além de se tratar de um procedimento puramente indireto (na USP inexiste o conceito de eleição direta) trata-se de uma eleição em três turnos, onde em cada turno o número de candidatos e, surpreendentemente, de eleitores é reduzido. Primeiro, cerca de 1700 votantes escolhem uma lista de oito nomes, em seguida pouco menos de 300 eleitores reduzem essa lista para apenas três candidatos. Por fim, apenas um “eleitor” (o governador do estado) escolhe um nome da lista tríplice. (Detalhe, a USP tem hoje mais de 86.000 estudantes, mais de 5.000 professores e aproximadamente 16.000 funcionários[2])  
            No caso do atual reitor, além de todo esse processo de escolhas indiretas e formação de listas, o então governador José Serra ainda escolheu o segundo da lista tríplice a ele apresentada. Isso por evidente preferência político-partidária de Serra pelo atual reitor.  
            O que vemos na USP nada mais é que uma estrutura política muitíssimo similar as “eleições” do período de ditadura civil-militar. Não é de se estranhar que o atual Estatuto da Universidade tenha sido formulado precisamente em 1969. O que ocorre é que esse simulacro muito mal formulado de democracia é precisamente o mesmo utilizado pelos milicos. Quer dizer, mantém-se no âmbito da formalidade uma estrutura de alternância no poder, mas que sua operacionalização assegura que determinados interesses se preservem, mantendo-se apenas a aparência formal de uma democracia. Assim foi o início de uma ditadura envergonhada que pouco a pouco perdeu o pudor. Na USP essa estrutura se mantém, mais um resquício do entulho autoritário.
            Dessa forma, quando vemos ser erguido na cidade universitária um monumento que homenageia as vítimas da “revolução de 64” (sic.) não deveríamos estranhar tanto assim. Como já falei, esse título ofende profundamente a memória dos supostos homenageados. Mas, a verdade é que qualquer homenagem a essas vítimas da ditadura, vinda dessa estrutura de gestão da USP será um ofensa. Quando o algoz homenageia suas vítimas só podemos interpretar o fato como um sarcasmo sádico, é assim que acredito que devemos enxergar esse monumento erguido no campus Butantã da USP.
            Se o atual reitor repudia tanto assim o período ditatorial como costuma se gabar, muito melhor do que construir monumentos, que terminarão cobertos de excrementos de aves, seria se esse senhor tivesse se recusado a ser mais um reitor biônico.
            Agora, a questão é que, além de aceitar e se beneficia dessa estrutura oriunda da ditadura, o magnífico reitor ainda se utiliza, cinicamente, do discurso democrático, se comporta como se alguma legitimidade tivesse. Rodas nunca teve o apoio nem de seus pares, se tornou reitor por pura conveniência política do PSDB depois de ter sido um diretor odiado pela sua própria unidade de origem (a Faculdade de Direito). Não é nenhuma surpresa que recentemente tenha sido declarado persona non grata na Faculdade do Largo São Francisco.

            Acho que o que o reitor tem de perceber é que, por mais que a USP ainda guarde em seu regramento o entulho autoritário anti-democrático, o poder que o colocou na reitoria não tem  a capacidade de mantê-lo lá. Os governadores biônicos não hesitavam em chamar os tanques em sua defesa, o que Rodas não percebeu é que por mais que ele possa colocar a polícia no campus, as forças repressoras do Estado podem até esmagar as flores, mas isso não impede a primavera. Talvez seja esse o grande dever histórico desse reitor, ao desnudar o absurdo que é um reitor biônico usar o discurso democrático Rodas pode finalmente evidenciar que o autoritarismo é precisamente a causa dos perigos que diz evitar. A maior homenagem que a Universidade de São Paulo pode fazer às vitimas da ditadura é continuar a luta que elas começaram.

Ivan de Sampaio



[1]  Núcleo de Estudos da Violência da USP 
[2] Nesse número não está computado o número de funcionários terceirizados.  

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Breve Ensaio sobre a Classificação da Loucura na Idade Clássica


Obs: Esse texto foi escrito como reposta a uma questão proposta na aula de História da Filosofia IV[1] – Foucault, do curso de graduação em Filosofia da PUC/SP ministrada pelo Prof. Dr. Márcio Alves da Fonseca.

Breve Ensaio sobre a Classificação da Loucura na Idade Clássica 

            É possível percebermos na idade clássica um esforço teórico para classificar a loucura. Em verdade, esse esforço classificatório não se deu apenas no atinente a loucura ou as doenças. Para Foucault, a idade clássica tem na classificação uma das formas fundamentais do conhecer.
            Se o mundo havia sido organizado anteriormente pela semelhança (epistémê renascentista), na idade clássica é a representação que surge para assegurar a verdade. Foucault destaca que essa mudança da epistémê renascentista para a clássica passa por uma nova forma de ordenação do mundo. Essa ordem passa a ser a ordem do pensamento, da razão.

“O semelhante, que fora durante muito tempo categoria fundamental do saber – ao mesmo tempo forma e conteúdo do conhecimento – se acha dissociado numa análise feita em termos de identidade e de diferença; ademais, quer indiretamente por meio da medida, quer diretamente e como que nivelada a ela, a comparação é reportada à ordem; enfim, a comparação não tem mais como papel revelar a ordenação do mundo; ela se faz segundo a ordem do pensamento e indo naturalmente do simples ao complexo.” [2]   
                       
            Dessa maneira, na idade clássica conhecer significa representar um objeto e colocá-lo em um quadro classificatório. A partir das comparações com os demais objetos e da localização do representado no quadro é que podemos ter ciência, é que podemos efetivamente ter um conhecimento seguro do objeto.
            Pois bem, diante dessa forma de se produzir a verdade na idade clássica, não é de se estranhar que o louco tenha se transformado também em um objeto de análise. Nesse caso, o objeto não era propriamente o louco. Foucault nos aponta que a tentativa de análise aqui passava por separar a loucura de seu portador, o louco.
            Dessa maneira, o louco não deveria falar sobre sua loucura. A análise tratava a loucura como uma essência a ser depreendida em sua natureza mesma.  A tentativa é de deduzir analiticamente a loucura. Diante da dificuldade de se chegar a pretensa essência pura desse mal, passou-se a buscar as manifestações materiais dessa essência, os sintomas.
            Esse “método sintomático” objetivava, através dos sintomas da loucura, colocá-la no quadro geral classificatório das doenças. Isso nada mais era do que a aplicação direta da ordenação da representação, conforme anteriormente mencionamos. Conhecer a doença pela sua classificação é a tentativa de compreender sua natureza, a racionalidade dessa natureza.
            Diante desse esforço classificatório da idade clássica, a pergunta que Foucault nos faz é: que estrutura particular tornou a loucura irredutível a esse projeto de classificação da idade clássica?
            Para responder essa questão poderíamos, com certo grau de cinismo, nos limitar a uma palavra, desrazão. Por outro lado, o que importa aqui não é propriamente o termo final, mas sim o que significa e o que permitiu que, na idade clássica, a loucura fosse colocada às sombras das luzes da racionalidade.

“A loucura, cujas vozes a Renascença acaba de libertar, cuja violência porém ela já dominou, vai ser reduzida ao silêncio pela era clássica através de um estranho golpe de força.”[3]     

            Para entender um pouco esse “golpe de força” da razão que excluiu a loucura, acredito nos bastar a referência que Foucault faz na História da Loucura[4] a Descartes. A menção aqui é à primeira meditação de Descartes.
            Foucault vê exatamente no §4º da primeira meditação a completa exclusão da loucura como condição de desenvolvimento do pensamento racional. Descartes não se utiliza da loucura da mesma maneira que menciona o argumento dos sonhos ou do gênio maligno. Enquanto esses demais argumentos levam a um “dubitare” metódico, a loucura precisa ser afastada para que o próprio sujeito racional possa emergir da dúvida. A loucura, vista como um vício do sujeito em si, precisa ser excluída (posteriormente ela não só terá de ser excluída, mas corrigida).
            “E como eu poderia negar que estas mãos e este corpo sejam meus? Exceto, talvez, que eu me comparasse a estes dementes” [5]. Veja que nesse ponto ainda das meditações, Descartes não levanta essa questão da demência para se assegurar da existência de um mundo físico ou de seu corpo físico. Essa certeza só poderá ser atingida depois de provada a existência de Deus na terceira meditação[6]. Essa questão da loucura está aqui colocada como preliminar para garantir o próprio desenvolvimento desse raciocínio. “São dementes e eu não seria menos excêntrico se me pautasse por seus exemplos.” [7] É com essa exclusão da loucura que Descartes permite o continuar de seu processo de dúvida, de dubitare que o conduzirá certeza do cogito.

“A dúvida de Descartes desfaz os encantos dos sentidos, atravessa as paisagens do sonho, sempre guiada pela luz das coisas verdadeiras; mas ele bane a loucura em nome daquele que duvida, e que não pode desatinar mais do que não pode pensar ou ser.” [8]

            Em verdade, se a loucura poderia colocar em risco o próprio sujeito que duvida (cogito) ela colocaria em cheque a própria representação na idade clássica. Heidegger, ao ler Descartes, afirma que “O cogitare é um apresentar para si aquilo que é re-presentável.” [9] Ou seja, podemos ver o cogitare de Descartes não apenas como pensar, mas sim como representar. Dessa forma, se a loucura poderia colocar em cheque as próprias faculdades do cogito cartesiano, é preciso excluí-la do universo da razão, para evitar que suas sombras ameacem o irradiar racional e o próprio “assenhormento” do mundo pelo homem como diria Heidegger.
            Dessa maneira, a loucura se tornou aqui “o outro” da razão, desrazão. A demência está fora dos parâmetros de racionalidade e definitivamente fora do sujeito racional de conhecimento. Ela não é algo acessível à razão vez que se configura enquanto aquilo mesmo que se mostra apenas na ausência da razão. Conseqüentemente, se a loucura está fora do sujeito que se “assenhora” do mundo, ela está fora desse mundo dominado pelo cogito.
            Assim, a loucura não faz parte do rol das coisas que podem ser objetivadas pelo sujeito. Como “o outro” da razão, a loucura não tem lugar na ordem do mundo da representação; ela não pode ser representada para esse sujeito racional. Fatalmente, não há lugar para a desrazão no quadro da ordem racional.
            É por esse motivo que a loucura não pôde ser classificada na idade clássica. Os parâmetros da ordem vigente não comportavam um lugar para seu oposto. A eventual apreensão da loucura pelo sujeito racional tencionaria o próprio sujeito de conhecimento. Qualquer tentativa de conhecer a desrazão por meio da razão estaria, ou fadada ao fracasso (como as tentativas de classificar a loucura), ou colocaria em cheque o próprio estatuto da razão e do sujeito de conhecimento.
            Nesse sentido, parece-me que na idade clássica foi preciso esconder a loucura para fazer emergir a razão. No momento em que se volta para a loucura, ou a razão continua vendo-a como o nada, ou permite-se que o conteúdo da loucura volte a obscurecer as luzes da razão.                                                                                                          
                           Ivan de Sampaio

P.s: Para os interessados em Foucault, lembro do Colóquio Internacional que teremos agora no final de outubro na PUC/SP.   


[1] Curso essa disciplina enquanto optativa livre da minha graduação em Direito na PUC/SP  
[2] FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: Uma arqueologia das ciências humanas. Editora Martins Fontes. 9ª edição. São Paulo/SP. 2007. P. 74.     
[3] FOUCAULT, Michel. História da Loucura: na idade clássica. Editora Perspectiva. 9ª edição. São Paulo/SP. 2010.  P. 45.     
[4] Ibidem. P. 45/48.       
[5] DESCARTES, René. Meditações in: Os pensadores. Editora Nova Cultural. São Paulo/SP. 2004. P. 250.    
[6] Para Descartes Deus será o responsável por garantir que as representações feitas pelo homem no plano do pensamento (cogito) correspondam efetivamente a objetos no mundo material. No fundo, em Descartes Deus ainda é o responsável por assegurar a relação corpo/alma.    
[7] DESCARTES, René. Ibidem.
[8] FOUCAULT, Michel. História da Loucura: na idade clássica. Op. Cit. P. 47.
[9] HEIDGGER, Martin. Nietzsche (Vol. II). Editora Forense Universitária. São Paulo/SP. 2007. P. 110.