quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Wikileaks

Bem, retorno hoje com uma postagem bem curta.
            Não sou particularmente muito fã do portal Wikileaks. Acho que as informações que ele tem divulgado não são tão “bombásticas”. Quando muito, representam evidências de fatos que já eram de conhecimento geral. Quer dizer, acho que todos já sabiam que os EUA são um Estado imperialista e com táticas predatórias em todo o mundo. Sendo assim, quase tudo que o Wikileaks divulgou é mera minúcia diplomática do desenrolar dessa estrutura americana que claramente está disposta a tudo (desde apoiar regimes genocidas e ditatoriais até torturar presos políticos em prisões internacionais) para manter, na esfera doméstica, o “american’s way of life”.     
            Apesar de não achar essa iniciativa do site Wikileaks tão significativa quanto alguns, acho que a prisão do Assange (jornalista líder do Wikileaks) foi algo repugnante. Sendo assim, estou integrando a corrente que luta pela libertação desse ousado senhor.
           O Professor Maurício Porto criou um selo para ser compartilhado que vou colocar aqui a baixo. Tanto o Blog do Prof. Maurício Porto quanto o Blog do Tsavkko - The Angry Brazilian estão divulgando a campanha também. O Blog Bidê Brasil da minha amiga Luka tem mais informações sobre a prisão do Assange e sobre o ato pela sua libertação, confira aqui.   


            Peço então que, aqueles que concordarem, assinem a petição pela libertação do Assange. Mas acho que, antes de tudo, esse incidente deve servir para refletirmos sobre um ponto: Por que o Estado precisa “guardar segredos” de seus cidadãos? O que de tão errado se está fazendo que precisa ser protegido do conhecimento público? Se a nossa forma de vida é, ao menos em parte, sustentada por práticas condenáveis será que essa forma de vida não é em si condenável?
           
           
            Parece-me que esse episódio pode ter ao menos esse significado, nos fazer pensar sobre, por que um ente “democrático” precisa esconder parte de suas atividades?
            Feito esse pequeno post em decorrência do momento atual; no próximo post retomo o raciocínio que iniciei em A Irracionalidade de Estado e devo falar um pouco da seletividade do sistema penal.
         Se quiserem ler algo de alguém que acompanhou melhor os documentos divulgados pelo Wikileaks, recomendo a leitura dos posts do meu amigo Hugo em seu blog O Descurvo.     


Abraço a todas e todos
Ivan Sampaio  

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Irracionalidade de Estado

Inicio hoje pedindo desculpas pela demora em retomar as postagens aqui. Agora que a tormenta de final de ano já foi minimamente amenizada consigo dedicar uma parte do meu tempo para esse blog novamente.
Bem, nesses últimos dias temos visto a cobertura intensa da mídia sobre a invasão do complexo do Alemão no Rio de Janeiro. Passei a semana passada inteira frustrado por não conseguir tempo para organizar minhas idéias sobre o ocorrido e postá-las aqui. Agora que finalmente pude fazê-lo, percebi que não quero comentar o caso do Rio. Há um post no Blog do Brasil & Desenvolvimento intitulado O Estado de polícia na sociedade de classes  escrito pelo João Telésforo que representa muito do que penso sobre as atitudes da polícia no Complexo do Alemão.    
Dessa maneira não entro aqui no mérito de há abusos ou não há abusos, a população local apóia a polícia ou não, acredito que isso já foi muito tratado em outros blogs (mencionarei alguns ao final desse post). Não vou comentar as notícias e sua veracidade, me focarei então um pouco nos objetivos dessa operação.   
            Grosso modo, toda essa operação foi justificada por duas bandeiras: combate ao tráfico de entorpecentes e combate ao poder paralelo. Meu ponto é que, para alcanças essas finalidades, a operação que vemos é, no mínimo, inútil. Ela não tem a capacidade de por fim ao tráfico ou mesmo minar o poder paralelo, muito pelo contrário, ela corrobora para o fortalecimento desses dois “males” que propõe combater.
            Para percebermos isso é preciso partir de uma constatação inicial concernente ao paradigma atual de razão de Estado. Não é segredo que hoje vivemos dentro de uma lógica de estado liberal, dito de forma muito genérica, trata-se de orientar a veredicção política através da lógica do mercado, ou seja, se Anália a intervenção política Estatal com critérios econômico. Nesse sentido, uma política, dentro dessa razão de Estado liberal, é julgada como funcional ou não por meio de critérios “mercadológicos” de eficiência econômica. Não vou aqui esboçar minhas críticas a essa idéia, mas quero iniciar apontando para o fato de que uma política “criminógena” sobre as drogas vai na contra mão dessa razão de Estado liberal.
            Vejamos melhor isso. O trafico de drogas, nada mais é do que uma relação econômica, mas de que tipo de relação econômica? Bem, trata-se de uma atividade que trabalha com um insumo de primeira necessidade para o usuário. Dessa forma, lidamos com um mercado consumidor de consumo preponderantemente inelástico. Isso significa que independentemente do preço do produto o consumo se mantém ou sofre alterações muito insipientes.
            Pois bem, quando se adota uma política de policiamento extensivo ou de combate direto ao tráfico (como no caso Rio) o que se processa é um significativo aumento do risco nessa atividade econômica. Nesse caso, o aumento do risco ocasiona o aumento do peço da droga, entretanto, por se tratar de insumo de consumo inelástico esse aumento não reduz o consumo. Por outro lado, o aumento significativo do risco finda por eliminar os traficantes menores e mantém apenas aqueles que tem capital suficiente para suportar esse elevado risco e manter a atividade lucrativa compensando suas perdas pelo alto volume de negócios. Dessa maneira o que vemos é uma concentração do tráfico formando uma situação econômica de oligopólio. O Risco elevado não elimina atividade econômica que lida com mercado de consumo preponderantemente inelástico. Assim como é impossível criar uma maquina de repressão penal tão forte que elimine toda forma de entorpecentes[1].      
            Diante disso, o tráfico oligopolizado ganha cada vez mais organicidade e passa a ter condições de formular, cada vez mais elaboradas, “estratégias de mercado”. Um exemplo pode ser a ação do tráfico ao vender entorpecentes com um preço reduzido para novos consumidores enquanto onera os compradores habituais para que arquem com os custos dessa política elevando os custos da droga para esses últimos. O que quero salientar é que estratégias dessa complexidade só passam a ser possíveis nesse cenário de oligopólio do trafico.
            Além disso, essa política de combate policial ao tráfico gera um paulatino aumento na violência. Primeiro por que a alta dos preços da droga pode gerar uma criminalidade difusa de crimes patrimoniais para manter o vício dos usuários habituais. Segundo por que, quanto maiores os investimentos do tráfico, maior a demanda dos traficantes em medidas que assegurem esses investimentos. Essas medidas vão desde corrupção das instituições estatais até o investimento em meios que fortaleçam a presença do tráfico na construção de um poder paralelo, que se pauta por essas relações de fato não comportadas dentro da normatividade Estatal.
            Assim, chegamos ao meu segundo ponto, medidas de intervenção policial, não enfraquecem o dito “poder paralelo”. Em verdade, essa política fortalece o tráfico e sua capacidade de assegurar essas “instituições” paralelas.
            Mas o que quero destacar sobre essa estrutura de poder paralelo é que, ao contrário do que se pensa, essa forma de poder para-estatal não se limita a uma estrutura armada de traficantes. Esse “poder” não está no tráfico[2], essas relações de poder se fundam em necessidades que ou não são atendidas ou não são comportadas dentro da estrutura estatal. Sendo assim, o tráfico é apenas uma dessas estruturas fora do Estado que percebeu como se utilizar dessas necessidades não atendidas pelo Estado. No mais, quanto maior a organização do tráfico e quanto mais oligopolizada a sua atividade, mais ele consegue se utilizar dessas estruturas de poder em seu benefício.
            Em síntese, as estruturas precárias e irregulares das comunidades em grandes cidades como o Rio é o que gera as demandas (negligenciadas pelo Estado) que o tráfico manejou suprir de forma a atender seus próprios interesses.
            Sendo assim, acredito que podemos concluir que essa lógica de combate puramente criminal ao tráfico é absolutamente inútil para as finalidades que afirma perseguir. Essa política só fortalece o tráfico, provocando a concentração econômica do setor em oligopólios, que passam a ter meios mais elaborados de manter sua atividade e de intervir nos pontos onde o Estado se ausenta. Esse investimento do tráfico na omissão do Estado se funda na busca por assegurar os investimentos do próprio tráfico.
            È dessa forma que vemos que, partindo de uma análise liberal de razão de Estado, políticas de ocupação militar e policial de locais como o Complexo do Alemão são muito mais irracionais do que qualquer outra coisa. Aparentemente, servem apenas como estrutura de espetáculo para que se imagine que algo está sendo feito para solucionar os problemas atinentes ao tráfico de entorpecentes. A pergunta que resta é: ao que serve essa política criminal, se vista dentro do contexto da razão de Estado liberal ela não se justifica? Na próxima postagem buscarei explorar mais essa pergunta. 
            Sobre o caso do Rio em especial recomendo a leitura de alguns outros posts muito bons. Primeiro um post extraordinário, que já citei no início do texto, no blog Brasil & Desenvolvimento chamado O Estado de polícia na sociedade de classes do João Telésforo.  Além disso, um post, também muito bom, do Hugo: A violência para muito além do Rio de Janeiro e também Ainda O Rio: Padilha e a favela eterna. Recomendo ainda a leitura do Jornal Brasil de Fato que fez uma boa cobertura sobre as invasões do Complexo do Alemão.   
            Bem, por hoje é isso. Tentarei agora manter o ritmo das postagens.
Abraço a todas e todos
Ivan Sampaio

P.s: gostaria apenas de fazer uma ressalva. De forma geral não gosto dessa análise puramente “mercadológica” liberal, mas acredito que nesse caso ela seja capaz de mostrar muito sobre a forma que o Estado tem atuado e as incoerências e irracionalidade de sua política em relação às drogas.     
P.p.s: Desculpem a postagem mais extensa, mas depois de uma semana sem escrever nada não consegui ser mais sintético.  


[1] Até hoje, mesmo países com orçamentos de segurança infinitamente maiores que o nosso e com polícias muito mais capacitadas são incapazes de realizar essa tarefa.
[2] Em verdade o poder não é uma entidade, não está em nenhum lugar ele apenas se manifesta por meio de relações.